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José Reis foi um divulgador científico singular: era cientista, jornalista, divulgador e ajudou a consolidar instituições importantes para a ciência brasileira, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A forma com a qual Reis trabalhou as informações publicadas em artigos científicos foi o tema de estudo da jornalista Juliana Passos, que se debruçou sobre a produção intelectual do divulgador em sua pesquisa “A acomodação do discurso científico na produção de José Reis no Grupo Folha”. Entrevistamos Passos para entender mais detalhes de seu estudo. As respostas você confere abaixo, em mais um texto da seção “Conta aí, mestre”! 

Que papel de destaque José Reis teve como cientista e também como divulgador de ciência?
Juliana Passos: José Reis dedicou sua vida pública ao progresso da ciência no Brasil. Sua articulação foi indispensável para a criação e o desenvolvimento de grandes instituições científicas, como a SBPC. Em seus textos, defendia seu posicionamento quanto à importância dos pesquisadores para o avanço do conhecimento nacional. Em 1975, recebeu o prêmio Kalinga, da Unesco e Fundação Kalinga, um reconhecimento ao trabalho individual daqueles que se destacaram na área de comunicação da ciência. Trabalhou para o grupo Folha de 1947 até o ano de 2002. Entre 1962 e 1967, José Reis se tornou o primeiro diretor de redação da Folha de S. Paulo.

José Reis, ao longo de sua carreira, escreveu muitos textos para o jornal. Como você selecionou os textos estudados na pesquisa?
Juliana Passos: Gostaria de fazer um parêntese antes de entrar na resposta da questão. O meu trabalho está dentro do projeto Acervo José Reis, que visa a guarda, a conservação e o acesso do público à vida, à obra e ao acervo documental e bibliográfico de José Reis. O acervo foi cedido pela família à Casa de Oswaldo Cruz. Como trabalhamos em um projeto conjunto, utilizamos como ponto de partida a pesquisa de doutorado de Mariana Burlamaqui, que estudou no HCTE, da UFRJ. O trabalho dela foi analisar a produção de José Reis na Folha como um todo e, para isso, foi utilizado uma amostra aleatória adotada em outros estudos de comunicação que se chama "ano construído". Como José Reis publicava uma vez por semana, geralmente aos domingos, cada década virou um "ano construído". Então para a primeira semana de janeiro foram sorteadas todas as primeiras semanas de janeiro dos anos relativos à década selecionada. Assim por diante, até completarmos os seis anos construídos referentes a cada década. A partir dessa amostra representativa da produção como um todo, selecionei aqueles textos que faziam referência direta a um artigo científico para compará-lo à fonte primária, no caso o próprio artigo.

Sua pesquisa mostra que, ao longo do tempo, José Reis passou a escrever mais sobre controvérsias científicas do que sobre metodologia científica. A que fatores você atribui essa mudança? E quais foram as controvérsias científicas sobre as quais ele escreveu?
Juliana Passos: José Reis lia muito sobre tudo. Estava sempre em contato com as pessoas e com os livros. Determinada vez, por exemplo, ele fez um artigo elogioso ao agrotóxico DDT e, no mesmo ano, escreveu sobre os diversos problemas que esta substância causava. A partir da década de 1970, temos um novo olhar para a produção científica por parte da sociologia, filosofia e história da ciência; Reis não deve ter tratado com indiferença estas novas discussões. Entre as controvérsias que ele aborda, estão a possível relação entre agrotóxicos e Mal de Parkinson, a dificuldade de se produzir uma vacina contra a malária apesar de resultados promissores, a possibilidade da pílula aumentar o risco de câncer de mama, entre outras.

Considerando a sua amostra de 35 textos de jornais em que José Reis mencionou artigos científicos, quais as principais características desses textos?
Juliana Passos: José Reis tem a liberdade de um colunista para conversar com o leitor e inclusive dar conselhos. Uma característica importante dos textos de José Reis é a constante inclusão em seus textos de pesquisas correlatas ou anteriores para que o público ganhe uma dimensão da construção da ciência e, por vezes, a menção à necessidade de um maior número de testes para confirmação de suposições por parte dos cientistas. Nesse ponto, observamos que a preocupação em conversar com os pares cientistas diminui nos textos de José Reis, mas a discussão sobre o fazer científico se mantém. Sua produção é bastante inspiradora, ainda que não possamos negar a bagagem singular de Reis enquanto cientista da área da saúde e biológicas e a abertura que tinha enquanto colunista para explorar sua bagagem. Boa parte das preocupações em voga da divulgação científica, da escolha das pautas, da necessidade de mostrar pesquisas anteriores e correlatas, de se falar dos limites dos estudos e da não mitificação do fazer científico está presente em seu trabalho.

 

Juliana Passos é autora da dissertação “A acomodação do discurso científico na produção de José Reis no Grupo Folha”, defendida em 16 de agosto de 2018, com orientação da pesquisadora Luisa Massarani.

 

Publicado em 4/10/2018

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