Informativo do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica do Museu da Vida
Ano XXII - nº. 317. RJ, 8 de novembro de 2024.
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Donald Trump eleito nos Estados Unidos, presidente da Faperj exonerado por interesses políticos escusos e divulgadores de ciências vendendo sua imagem para corroborar nova estratégia negacionista de petroleiras. Tempos difíceis, sem dúvida. Isso significa mais trabalho – além de melhor e mais engajado – para a divulgação científica. A ciência nunca esteve apartada da política, tampouco a divulgação científica. Divulgar ciência é se posicionar. A neutralidade é uma falácia. Quando divulgadores de ciências fazem propaganda para empresas que contribuem de forma irresponsável para a crise climática estão se posicionando, independentemente de como justificam suas decisões. Não sejamos ingênuos em achar que cientistas e divulgadores, mesmo prestando importante serviço à sociedade em alguns momentos, estão sempre acima de qualquer suspeita e que nutrem valores mais éticos e nobres do que outros profissionais ou demais cidadãos. Mas é importante não perdermos o foco. Fiquemos menos surpresos com isso e mais preocupados com o novo discurso do “negacionismo soft” adotado pela indústria do petróleo. Reparem que as empresas do setor pararam de negar as mudanças climáticas e começaram a posar de comprometidas com a causa, ao mesmo tempo em que buscam prolongar ao máximo a exploração de combustíveis fósseis. Como parte de uma estratégia muito bem arquitetada – e bem financiada –, recorrem à ciência e a seus porta-vozes para convencer a todos de que tudo o que fazem tem respaldo científico. Qualquer semelhança com a indústria do tabaco e o agronegócio não é mera coincidência. No Ciência & Sociedade de novembro, debatemos – em nota na seção ‘Leituras’ – um pouco mais essa questão. Este número traz ainda notas sobre a desinformação em propagandas de saúde com o uso de inteligência artificial; exposição sobre arte e ciência feita por mulheres, no Rio de Janeiro e em São Paulo; bolsas para jornalistas realizarem reportagens investigativas sobre dados ambientais na Amazônia; entre outras dicas de leituras, ações, eventos e oportunidades no campo da divulgação científica. Boa leitura!
Especial Desinformação
Desinformação em propagandas on-line – Gerenciar a desinformação gerada ou apoiada por inteligência artificial (IA) generativa pode se tornar uma atividade vital na área da saúde, especialmente quando há lucro com a difusão de informações que colocam vidas em risco. O aumento de anúncios patrocinados de medicamentos e tratamentos sem comprovação científica com uso de IA nas mídias sociais, por exemplo, foi observado em levantamento recente realizado pelo Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto da USP em conjunto com a Rádio USP Ribeirão. No estudo, 513 anúncios patrocinados com promoção de produtos sem comprovação científica e, muitas vezes, sem autorização de órgãos reguladores foram coletados com ferramentas da plataforma Meta em dois dias. Análises apontam que 83% das propagandas estavam no formato de vídeos - fortes evidências indicam que 62% deles usaram manipulação por IA com informações falsas. Para dar credibilidade às informações veiculadas, as propagandas usaram logos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e imagem de personalidades públicas, como a do médico Drauzio Varella. A pesquisa revela também que 73% dos anúncios foram veiculados simultaneamente no Facebook e no Instagram, indicando o envolvimento da Meta na promoção dos produtos anunciados. Outros resultados da pesquisa, com entrevistas que abordam o assunto sob pontos de vista distintos, estão no artigo “A desinformação em propagandas on-line é o mais novo desafio na área da saúde”, publicado no Jornal USP, que ainda discute as consequências dessas propagandas para a saúde pública e caminhos para enfrentar a desinformação. Leia o texto aqui.
Leituras
Os públicos da divulgação científica – Tanto nas ações práticas de divulgação da ciência, quanto nas reflexões acadêmicas do campo, definir e compreender os públicos é fundamental. Estudos mostram, entretanto, que as concepções de público na divulgação científica (DC) frequentemente são mal definidas e ambíguas. No artigo “What are we talking about when we are talking about the audience? Exploring the concept of audience in science communication research and education”, publicado em outubro na PUS, pesquisadores realizaram uma revisão sistemática de 1360 artigos de pesquisa em DC e conduziram um estudo com 45 educadores do campo. O objetivo foi rastrear como se abordou o conceito de públicos na literatura acadêmica sobre DC ao longo do tempo e como professores de divulgação científica vêm ensinando sobre o tema. A pesquisa identificou 10 formas de conceituar públicos, agrupadas em três categorias: Being (relativa a questões demográficas, de conhecimento, de valores e localização), Doing (associadas a interações e dinâmicas) e Qualifiers (dividida em diversa, potencial, plural e geral). O artigo destaca ainda a mudança da concepção de público único para as de públicos múltiplos e dinâmicos, o que sugere um desejo dos pesquisadores de evitar uma linguagem generalizante e reduzida, que agrupe todos os receptores de um produto num mesmo grupo homogêneo – o famigerado público geral! Leia o artigo aqui.
Ligações perigosas – O biólogo e divulgador de ciências Atila Iamarindo, que ganhou destaque com o seu incansável trabalho de divulgação nas redes durante a pandemia de Covid-19, provocou indignação na comunidade ao posar de garoto propaganda da Shell e afirmar, com toda a segurança que aprendeu a transmitir, que a empresa explora e produz petróleo no Brasil de forma segura e confiável. O caso gerou um fervoroso debate sobre o financiamento da divulgação científica e a ética dos divulgadores. O também biólogo e divulgador de ciências da Fundação Cecierj Luiz Bento comentou o ocorrido em sua página Divulgação Científica Libertadora. Para Bento, é, sim, preciso discutir o financiamento da divulgação científica na internet, “mas tenho certeza que vender a imagem da pessoa física de um cientista para dar legitimidade a uma empresa como a Shell não é o caminho certo.” Em texto publicado no Núcleo, Pedro Nakamura e Alexandre Orrico mostram que o caso Atila é apenas parte de um fenômeno mais amplo e complexo. De acordo com os jornalistas, a Petrobras e Shell patrocinam conteúdos sobre "transição energética" de outros divulgadores de ciências brasileiros, “na tentativa de associar as próprias imagens ao combate às mudanças climáticas – quando, na verdade, continuam expandindo a produção petrolífera no país.” Essa estratégia, tão enganosa quanto perigosa, mais do que a ética individual de cada divulgador, deve ser o foco de preocupação, e sobretudo de atuação, da divulgação científica. É preciso formular urgentemente novas estratégias de enfrentamento do novo discurso negacionista.
Ações
Série de DC da Fiocruz ganha novos episódios – O Ciência em Gotas, série de vídeos de curta duração produzida pela Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), lançou sua segunda temporada. A iniciativa lança mão da arte da animação para divulgar e popularizar a história da ciência e da saúde no Brasil por meio da trajetória de importantes cientistas brasileiros, cujas pesquisas e realizações produziram benefícios relevantes para a saúde e o meio ambiente. A primeira temporada conta com quatro episódios dedicados aos cientistas Johanna Dobereiner, Bertha Lutz, Carlos Chaga e Maurício Rocha e Silva e seu aluno, Sergio Ferreira. Já a nova temporada, lançada na 21ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, traz três vídeos sobre os parasitologistas Luiz Hildebrando e Maria Deane e o psiquiatra Juliano Moreira. Por enquanto, os novos vídeos serão exibidos na programação de emissoras públicas de televisão do país, mas, posteriormente, serão disponibilizados no Ciência Móvel – Arte e Ciência sobre rodas, unidade itinerante do Museu da Vida Fiocruz, e no YouTube. (Re)veja aqui a primeira temporada.
Engajamento público na saúde – Apesar das dificuldades, o Sistema Único de Saúde (SUS) é uma importante conquista da democracia brasileira e deve ser valorizado e, claro, aperfeiçoado. Um de seus princípios é a participação da sociedade no seu acompanhamento e gestão. Essa participação é um direito garantido por lei, ainda que poucos saibam disso. O novo episódio do podcast Observatório Canal Saúde conta com a coordenadora da assessoria de comunicação do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Viviane Claudino, para falar sobre o assunto e os desafios de fazer comunicação com o objetivo de fortalecer a participação social na gestão do SUS. Vale ouvir e pensar em como a ciência poderia se beneficiar de uma maior escuta e participação social, como alguns modelos de divulgação científica defendem. Para mais informações, clique aqui.
Exposição aborda arte e ciência feita por mulheres – Com o objetivo de destacar a trajetória de mulheres nas áreas científica, intelectual e artística, a exposição “NÓS — Arte & Ciência por Mulheres” pode ser visitada por cariocas e paulistanos simultaneamente. Em São Paulo, a exposição ocupa o Sesc Interlagos até 30/3/2025. No Rio de Janeiro, a mostra abre em 14/11 no centro cultural Futuros – Arte e Tecnologia, no Flamengo. A exposição abrange temáticas desde a sabedoria ancestral até a crescente presença feminina nas instituições científicas. Contando com recursos de acessibilidade, curadoria do Estúdio M’Baraká e consultoria da pesquisadora Magali Romero Sá, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), a mostra exibe itens do acervo do Museu de Zoologia da USP, Museu do Índio (FUNAI), Museu de Ciências da Terra/ CPRM, Instituto Butantan e documentação de instituições como Fiocruz, Museu Nacional, Sítio Roberto Burle Marx, Biblioteca Nacional, entre outros. Para mais informações, acesse o site do Sesc São Paulo e do espaço Futuros – Arte e Tecnologia.
Eventos
Identidade e credibilidade na divulgação da ciência – “Por que não sou levado a sério? Quando a identidade molda a credibilidade na divulgação científica” é o mote do webinário gratuito que será oferecido, em inglês, em 14/11, pela Scicomm Academy, às 8h (horário de Brasília). Inscreva-se aqui.
Conferências sobre desinformação também via zoom – Desinformação é o tema desta temporada (outono para eles, primavera para nós) do ciclo de conferências conhecido como London PUS Seminar. Os seminários são abertos aos interessados em divulgação científica, mas, em geral, é preciso estar em Londres para participar. Nesta temporada, porém, é possível acompanhá-los simultaneamente via zoom. O próximo será no dia 27/11, de 13h às 15h (horário de Brasília) e abordará o tema “Ciência, desinformação e democracia: ferramentas para explorar o discurso político no Reino Unido”, com Laszlo Horvath e Deborah Mabbett, da Birkbeck, Universidade de Londres. Acesse aqui o link para o zoom.
Oportunidades
Bolsas para jornalismo ambiental – O Instituto Serrapilheira e o Centro Latinoamericano de Investigación Periodística estão oferecendo bolsas de reportagens investigativas sobre dados ambientais na Amazônia. O objetivo é aprofundar a compreensão pública sobre o valor da biodiversidade. Serão selecionados 12 jornalistas da América Latina, que receberão uma bolsa de US$ 600 mensais, durante três meses. As inscrições vão até 12/11. Confira o aqui o edital.
Curso online na Universidade de Otago – As inscrições estão abertas – também para alunos internacionais – para os cursos online em divulgação da ciência realizados pelo Centre for Science Communication, da Universidade de Otago, Nova Zelândia. Com foco na prática na área, uma das opções conta com três disciplinas, no primeiro semestre, e a segunda opção de curso acrescenta mais três disciplinas no segundo semestre, sempre à distância. Para mais informações, clique aqui.
Tem uma sugestão de notinha para a próxima edição do boletim Ciência & Sociedade? Oba! Envie para o e-mail <Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.>.
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Ciência & Sociedade é o informativo eletrônico do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica do Museu da Vida (Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz). Editores de Ciência & Sociedade: Carla Almeida e Marina Ramalho. Redatores: Luís Amorim e Rosicler Neves. Projeto gráfico: Barbara Mello. Informações, sugestões, comentários, críticas etc. são bem-vindos pelo endereço eletrônico <nedc@fiocruz.br>. Para se inscrever ou cancelar sua assinatura do Ciência & Sociedade, envie um e-mail para <Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.>.
*A seção Especial Desinformação é uma iniciativa do projeto “O desafio da desinformação em saúde: compreendendo a recepção para uma melhor divulgação científica”, contemplado pelo Programa Proep 2022, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e do CNPq.