Ano XXII - nº. 312. RJ, 10 de junho de 2024.
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No dia 2 deste mês, o México elegeu sua primeira presidente mulher. E tem mais: Claudia Sheinbaum é física e especialista em clima, já tendo assinado relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). A expectativa é grande para a pauta ambiental mexicana, dada a relevância do tema no país, cuja economia depende fortemente do petróleo, e no mundo. Falando em mudanças climáticas, o Ciência & Sociedade de junho traz como destaque relatório que buscou analisar a desinformação multiplataforma relacionada ao desastre climático no Rio Grande do Sul. Os autores do relatório identificaram cinco narrativas que circularam em diferentes redes sociais logo após a tragédia, atrapalhando o trabalho de assistência à população local. Ainda sobre clima, acabam de ser divulgados os resultados da enquete de percepção dos brasileiros sobre ciência e tecnologia de 2023. Sexta da série histórica, que tem início em 1987, a pesquisa traz pela primeira vez um bloco de perguntas sobre a percepção dos brasileiros em relação às mudanças climáticas. Os participantes – 1.931 pessoas acima de 16 anos de todas as regiões do país – foram questionados se as mudanças climáticas estão ocorrendo, sobre a sua causa e qual o nível de perigo que elas representam. A grande maioria (95,4%) afirmou ter consciência de que as mudanças climáticas estão acontecendo, três quartos (78%) disse que as causas são humanas e um pouco mais da metade (60%) declarou que as mudanças climáticas representam um perigo grave. Por outro lado, como indicam todas as enquetes anteriores, grande parte dos brasileiros não visita e não participa de atividades em espaços de divulgação da ciência. Os resultados de 2023 mostram, por exemplo, que a maioria dos entrevistados (88%) não visita museus de ciências, sobretudo porque eles não existem na região em que moram. Além disso, 20% declararam não estar interessados e 21%, não ter tempo. Leia mais sobre a enquete na seção ‘Leituras’ deste número do boletim, que traz outras dicas de leituras, ações, eventos e oportunidades no campo da divulgação científica. Boa leitura!
Especial Desinformação
A desinformação e a emergência climática no Sul – Não bastassem as fortes chuvas, a ampla circulação de conteúdos desinformativos vem atrapalhando o trabalho de assistência à população atingida pelo desastre climático no Rio Grande do Sul, tornando-se um dos principais motores da tragédia. No relatório “Enchentes no Rio Grande do Sul: Uma análise da desinformação multiplataforma sobre o desastre climático”, pesquisadores do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais (NetLab) da UFRJ mostram, com vários exemplos, os principais conteúdos desinformativos relacionados à tragédia disseminados em diferentes redes sociais por influenciadores, sites e políticos de extrema direita. O estudo envolveu o mapeamento qualitativo de influenciadores e narrativas de desinformação multiplataforma e a raspagem e análise manual de anúncios sensíveis e não-sensíveis no Meta Ads. Os pesquisadores identificaram cinco narrativas principais no material analisado: (1) afirmar que a resposta governamental tem sido insuficiente; (2) negar a relação entre os eventos e as mudanças climáticas; (3) inserir a tragédia nas pautas morais e em teorias da conspiração; (4) inflar o papel de seus aliados na resposta à crise; e (5) se beneficiar da tragédia através de autopromoção, pedidos de doação e fraudes. De acordo com o relatório, os principais influenciadores costumam difundir essas narrativas por meio de suas mídias sociais, com o potencial de compartilhamento por perfis menores. Os autores sugerem que, assim, essas narrativas se interligam entre as plataformas, construindo uma campanha orquestrada que atinge vários públicos. Eles também mostram que estratégias de desinformação e fraudes ocorreram ainda por meio de conteúdo pago nos anúncios do Meta Ads, amplificando ainda mais o impacto negativo dessas narrativas. O relatório está disponível aqui.
Leituras
Percepção favorável à ciência – Você já deve ter ouvido que o brasileiro não gosta e não apoia a ciência, certo? Bem, para estar certa a afirmação, neste caso, em vez de combinar com os russos, é preciso combinar com os próprios brasileiros. Enquetes de percepção pública da ciência e tecnologia realizadas com amostras representativas da população do país mostram, desde 1987, uma percepção positiva da ciência entre os nossos. A edição de 2023 da pesquisa, que acaba de ter seus resultados divulgados, corrobora essa atitude otimista: das 1.931 pessoas ouvidas, 66% acham que C&T trazem só benefícios ou mais benefícios que malefícios para a sociedade, 25% dizem que trazem benefícios e malefícios e 4%, somente malefícios. Em relação ao interesse, a maioria se diz interessada ou muito interessada em ciência (60%) e temas afins, como medicina (78%) e meio ambiente (76%). Num nível maior do que na pesquisa anterior, de 2019, os entrevistados afirmam que o governo deve aumentar (82%) ou manter (12%) os investimentos em pesquisa científica e tecnológica nos próximos anos. Extensa em conteúdo, com representatividade nacional e novidades em relação às edições anteriores, como abordar mudanças no padrão de consumo e acesso à informação científica e acrescentar questões sobre mudanças climáticas, a pesquisa está disponível aqui.
A ciência em diferentes meios – Com a ampliação do acesso à internet, tanto no Brasil como em âmbito global, redes sociais, plataformas digitais e aplicativos de mensagens passaram a ocupar o topo do ranking de fontes sobre C&T para a população em geral. Assim, torna-se cada vez mais relevante entender como os debates sobre ciência são travados nesses meios e compará-los a outros fóruns. O livro A ciência em diferentes arenas – Análise dos discursos midiáticos na imprensa profissional e nas mídias sociais analisa matérias sobre ciência publicadas nos jornais O Globo e Folha de S.Paulo, bem como posts de Instagram e vídeos do YouTube sobre o tema, produzidos de julho de 2022 a junho de 2023. Segundo o estudo, a cobertura científica dos jornais concentrou seu conteúdo em poucas áreas do conhecimento (ciências biológicas e da saúde em O Globo e ciências exatas e da Terra e engenharias, na Folha), em fontes masculinas e em instituições dos Estados Unidos. Já no Instagram, destacou-se o debate intenso sobre políticas públicas para C&T, o que se refletiu em mais posts de ciências humanas (41%). Além disso, nessa rede, verificou-se que a ciência é utilizada como forma de legitimação. Já no YouTube, vídeos relacionados às ciências exatas e da Terra são os mais frequentes (27%). Os autores destacam que o debate sobre ciência nessas plataformas está concentrado em poucos atores – no Instagram, 5% dos usuários responderam por metade das postagens, enquanto no YouTube somente 1% dos canais respondeu por 50% dos vídeos. Leia o estudo completo.
Por que devemos pensar em justiça social na DC? – Examinar a divulgação científica com a lente da justiça social pode fazer questionar, repensar e até remodelar o campo, argumentam Dawson, Iqani e Lock no editorial da nova edição da JCOM, intitulado “Science communication for social justice”. No texto, eles defendem essa perspectiva como “uma mudança significativa na forma como a DC é compreendida e implementada”. Não é para menos; os seis artigos que compõem a publicação tratam de exclusão, conhecimentos silenciados e políticas do Sul e Norte Globais – assuntos que nem sempre ganham a devida atenção na área. Em um deles, pesquisadoras do Brasil e de Portugal lançam mão das Epistemologias do Sul para investigar as relações entre conhecimento tradicional e científico em uma exposição sobre plantas e pessoas no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Portugal. Análises dos documentos da exposição e de 30 entrevistas mostram como o discurso expositivo é permeado por referências coloniais. Para as autoras, é fundamental estimular o diálogo para o processo de decolonização desses espaços. Acesse a edição completa.
Confiança é coisa séria, ainda mais numa pandemia – Nas redes sociais, brotam termos como #confia e #sóvem e, pelo sucesso, algum sentido deve fazer. Mas como é falar em confiança num cenário de polarização e desinformação? Complexo, né? Numa pandemia, o contexto fica ainda pior. Considerando que o atual cenário de polarização e desinformação deve se manter em muitos países e há sempre a possibilidade de novas pandemias, o artigo “A practical agenda for incorporating trust into pandemic preparedness and response”, publicado no Boletim da Organização Mundial de Saúde, defende dois conjuntos de estratégias para aumentar a confiança da sociedade nas instituições de saúde pública. O primeiro seria para garantir que a confiança que já existe numa comunidade seja sustentada durante uma crise, com a busca por mitigar a fadiga pandêmica através de intervenções de saúde rápidas e de uma comunicação honesta, transparente e que faça sentido para o público. O segundo envolveria promover a cooperação em comunidades onde as pessoas desconfiam dos seus governos, às vezes por razões legítimas. Nesse caso, pontuam os autores, a preparação e as respostas à pandemia devem basear-se menos na coerção e mais na adaptação de políticas locais e na construção de parcerias com instituições e líderes comunitários. A baixa confiança do público é um fator de risco em pandemias e deve ser monitorado e mitigado para permitir que as respostas sociais e de saúde pública às emergências na área tenham sucesso, mesmo em comunidades com uma desconfiança histórica do governo. O artigo, em inglês, pode ser acessado gratuitamente aqui.
Ações
Educação ambiental com participação social – Diálogo e parceria são aspectos fundamentais para a produção de conhecimentos e ações voltadas para a conservação da biodiversidade e o uso sustentável dos recursos naturais. Na prática, porém, a construção colaborativa com a participação social é complexa e repleta de desafios. É nesse sentido que estudos e reflexões sobre essas experiências podem aprimorar e orientar a realização de práticas similares, como propõe o livro Educação Ambiental em Unidades de Conservação: fundamentos e práticas. A publicação, apoiada pela Fapesp, reúne estudos da construção colaborativa de planos e práticas educativas com a participação de pesquisadores, gestores e comunidades locais em quatro unidades de conservação ambiental. Dividida em nove capítulos, a obra traz também as propostas de trabalho desenvolvidas para cursos de formação de professores e atividades do projeto de ciência cidadã com abelhas nativas, entre outras iniciativas. Acesse a obra completa.
Laboratório de audiovisual ganha espaço físico – O Laboratório de Audiovisual Científico da Universidade Federal Fluminense (Labaciências/UFF), que produz filmes educativos, podcasts e audiobooks sobre ciências, ganhou em maio um espaço físico, o Labaciências Cultural. Nele, o público poderá participar de eventos, exposições, rodas de conversa e outras atividades de divulgação científica. O novo espaço fica no Reserva Cultural, complexo que reúne a Sala Nelson Pereira dos Santos, além de cinemas, restaurantes, galeria de exposições e lojas, no bairro de São Domingos, em Niterói. O projeto recebeu apoio da Faperj. Em agosto, o Labaciências Cultural vai sediar o Congresso Internacional sobre Autismo. Acompanhe a programação.
Eventos
Evento debate a educação museal – Nos dias 24 e 25/6, no Planetário da Gávea (RJ), será realizado o seminário “Fazer-Pensar a educação museal: narrativas, formação e decolonialidade”, que visa debater a formação em educação museal e contribuir para o desenvolvimento do campo. Mesas-redondas, minicursos e oficinas integram a programação. O evento, gratuito, pede inscrição prévia. Mais informações.
Seminário Luso-Brasileiro de Divulgação Científica – A 6ª edição do evento ocorre de 24 a 27/7, em formato remoto e com inscrição gratuita! Especialistas compartilharão suas experiências e insights sobre práticas inovadoras em divulgação científica, com destaque para ações desenvolvidas durante a Semana Nacional de C&T de 2023. O evento se destinada tanto a profissionais estabelecidos quanto a estudantes entusiastas. Inscreva-se.
Escócia recebe PCST – Já está aberta, com prazo até 7/9, a chamada de trabalhos para a próxima edição do evento anual da rede Public Communication of Science and Technology (PCST), que acontecerá em Aberdeen, na Escócia, de 27 a 29/5/2025. O tema será “Science communication for positive change: exploring transitions, traditions, and tensions”. Mais informações.
Oportunidades
RedPOP oferece bolsas para ASCT 2024 – Membros da RedPOP podem concorrer a uma bolsa para participar da conferência anual da Associação de Centros de Ciência e Tecnologia (ASTC), que será realizada entre 28/9 e 1/10 em Chicago (EUA). O apoio inclui apenas o valor da taxa de inscrição e, ao todo, serão ofertadas duas bolsas. Será dada preferência aos candidatos com trabalhos aprovados no evento. O prazo de inscrição é 28/6 às 23h (horário de Brasília). Os interessados devem enviar e-mail para Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.. Mais informações sobre o evento.
Tem uma sugestão de notinha para a próxima edição do boletim Ciência & Sociedade? Oba! Envie para o e-mail <Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.>.
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Ciência & Sociedade é o informativo eletrônico do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica do Museu da Vida (Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz). Editores de Ciência & Sociedade: Carla Almeida e Marina Ramalho. Redatores: Luís Amorim e Rosicler Neves. Projeto gráfico: Barbara Mello. Informações, sugestões, comentários, críticas etc. são bem-vindos pelo endereço eletrônico Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.. Para se inscrever ou cancelar sua assinatura do Ciência & Sociedade, envie um e-mail para Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..
* A seção Especial Desinformação é uma iniciativa do projeto “O desafio da desinformação em saúde: compreendendo a recepção para uma melhor divulgação científica”, contemplado pelo Programa Proep 2022, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e do CNPq.