Informativo do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica do Museu da Vida
Ano XXII - nº. 311. RJ, 8 de maio de 2024.
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Abrimos o boletim de abril passado falando de mudanças climáticas e de estratégias para enfrentá-las. Pois bem, maio chegou reforçando o alerta sobre os perigos que as mudanças climáticas já representam, aqui e agora. A tragédia climática que afetou cerca de 873 mil pessoas no Rio Grande do Sul, com mais de 80 mortes confirmadas, é fruto da combinação literalmente catastrófica de chuvas fortes e omissão do poder público. Fala-se no maior desastre natural da história gaúcha, mas de natural o desastre tem pouco. Primeiro porque as chuvas foram previstas com antecedência, mas encontraram, como de praxe, os municípios despreparados. Além disso, sabemos que eventos climáticos extremos estão se tornando mais extremos em decorrência de ações humanas. Também sabemos que os esforços para o enfrentamento das mudanças climáticas ainda estão muito aquém do necessário – e que, portanto, essas tragédias, infelizmente, irão se repetir. Nesse contexto desolador, é importante destacar ações de jornalistas e divulgadores da ciência que contribuem de forma relevante para a causa. Assim, parabenizamos Marcel Gomes por estar entre os vencedores do prêmio Goldman Environmental 2024. Gomes e colegas do Repórter Brasil expuseram a ligação direta entre a carne bovina da JBS, o maior frigorífico do mundo, e o desmatamento ilegal nos ecossistemas mais ameaçados do Brasil, levando seis grandes redes de supermercados europeias a interromper, por tempo indeterminado, a venda de produtos JBS em 2021 (leia mais). Já o divulgador de ciência britânico Sam Illingwort, especialista em ciência, poesia e jogos, uniu-se a colegas para criar o jogo Rooted in Crisis. Na verdade, são cinco jogos diferentes de RPG, mas que dialogam entre si, explorando diversas facetas do impacto da ação humana no clima e no ecossistema do planeta. Leia mais sobre os jogos na seção ‘Ações’ deste Ciência & Sociedade. Esta edição do boletim também traz dicas de leituras sobre a temática queer, tanto no meio científico – em que se discute, por exemplo, como a ciência tem sido distorcida para atacar grupos marginalizados – quanto na divulgação científica – por exemplo, debate-se como a prática, a pesquisa e a formação no campo podem se tornar mais significativas e representativas para esses grupos. Divulgamos ainda neste número a programação comemorativa dos 25 anos do Museu da Vida Fiocruz, os eventos do Pint of Science 2024, que acontece em maio no Brasil e no mundo, exposição virtual de registros rupestres, oportunidade para mães pesquisadoras, entre outras sugestões de leituras, ações, eventos e oportunidades em divulgação científica. Boa leitura. E nossas condolências a todos os atingidos pela tragédia climática no Rio Grande do Sul.
Especial Desinformação
Desinformação contra grupos marginalizados – Um dos impactos negativos da desinformação científica – talvez um dos menos visíveis – é a privação de direitos de alguns grupos sociais periféricos. Distorções da ciência já foram usadas no passado para justificar preconceitos raciais. Atualmente, têm sido exploradas também para restringir a atuação da população trans. Apenas em 2023, mais de 500 projetos de lei anti-trans foram propostos ou adotados nos Estados Unidos, impulsionados pela desinformação científica, segundo entrevista divulgada em abril na revista OpenMind, publicação independente financiada pela organização sem fins lucrativos Science Literacy Foundation. A professora de direito Florence Ashley e o cientista Simón(e) Sun falam sobre táticas e truques retóricos para deturpar a ciência contra grupos marginalizados. Simplificação excessiva do conhecimento científico, fabricação e interpretação incorreta de pesquisas e promoção de falsas equivalências são algumas dessas técnicas. Um exemplo de simplificação excessiva, para Sun, é a definição do sexo de um indivíduo exclusivamente por suas características biológicas. “Nesse debate, antes eram cromossomos, agora são gametas (óvulos e espermatozoides).” O cientista, porém, argumenta que a biologia é um sistema dinâmico e a determinação do sexo é mais complexa do que o binarismo apontado pelo que ele chama de “essencialismo sexual”. Para Ashley, esse é um caso de violência epistemológica, que ocorre quando resultados empíricos são interpretados de forma que “desvaloriza, patologiza ou prejudica um grupo marginalizado, mesmo que existam explicações igualmente boas ou melhores para os mesmos dados.” Leia a entrevista gratuitamente em inglês.
Leituras
DC pelo olhar LGBTQIA+ – A contribuição de pessoas da comunidade LGBTQIA+ à divulgação científica pode revelar insights, críticas e provocações únicas ao campo, como mostram os trabalhos reunidos no livro Queering Science Communication: Representations, Theory, and Practice. A obra conta com 11 capítulos, artigos de pesquisas, intercalados com artigos mais curtos sobre experiências práticas e organizados em quatro grandes temas. O primeiro reúne trabalhos que tratam da negociação da identidade queer com a ciência, tecnologia e medicina, com foco na análise tanto de discursos anti-LGBTQIA+ quanto de movimentos de resistência. Representações de indivíduos da comunidade na divulgação da ciência é o segundo tema, no qual dois capítulos e três artigos sobre experiências na prática incluem centros e museus de ciências, performances e mídias sociais. As pessoas da comunidade LGBTIQA+ no campo da DC, terceiro grande tema, abarca trabalhos voltados para o debate sobre inclusão e visibilidade. O último tema aborda a agenda queer na ciência e na DC com reflexões sobre a contribuição da perspectiva queer em atividades de formação, prática e pesquisa em DC. A adição de notas após cada seção ajuda os leitores com os principais aprendizados da DC queer. O livro pode ser adquirido aqui.
Ivermectina e a comunicação pública da ciência – Em fevereiro passado, saíram os resultados do maior estudo sobre o uso da ivermectina no tratamento da covid-19, mostrando que pacientes tratados com a substância tiveram redução do tempo médio de desaparecimento dos sintomas da doença. Embora o estudo tenha recebido pouca atenção da mídia, sua publicação sem alarde levanta questões importantes para a comunicação pública da ciência. Em coluna no Nexo (https://shorturl.at/fBLW6), o médico e professor da UFRJ Olavo Amaral chama atenção para o modo pouco cuidadoso como divulgadores da ciência e a grande mídia brasileira trataram estudos com a ivermectina, fármaco cujo uso contra a covid-19 foi recomendado pelo governo Bolsonaro durante a pandemia mesmo sem evidências robustas – à época – sobre sua eficácia. Para Amaral, jornalistas e divulgadores erraram ao rechaçar convictamente a ivermectina – cedendo à polarização política –, mesmo quando também não havia evidências robustas da sua ineficácia: “... não era necessário dizer que a droga era tão ineficaz quanto esterco de vaca para convencer pessoas a usarem máscaras ou se vacinarem: falar em ausência de evidência convincente teria sido um argumento mais honesto, e provavelmente suficiente”, defendeu. Professor de Gestão de Políticas Públicas na USP, Pablo Ortellado compartilha opinião semelhante em texto publicado em O Globo. Na sua visão, o antibolsonarismo acrítico acabou prejudicando a compreensão pública da ciência: “Para nos contrapormos à irresponsabilidade populista, transformamos essa recomendação ‘à luz das evidências disponíveis’ em afirmação categórica que se dizia científica, mas na verdade era apenas dogmática. A ciência precisa se rever. Precisa estar aberta à contestação – e não pode se furtar a investigar uma hipótese apenas porque um populista irresponsável a defendeu”. Está certo que a pandemia exigiu demais de todos nós e nem sempre conseguimos manter a razão, mas nunca é tarde para fazer autocrítica.
Ações
Jogo de RPG sobre crise climática – Após dois anos de desenvolvimento, contando com uma equipe de designers, pesquisadores e divulgadores de ciência, está para ser lançado o Rooted in Crisis, novo jogo de RPG sobre a crise climática. São, na verdade, cinco jogos diferentes, mas interligados, que exploram diversas facetas do impacto da atividade humana nos ecossistemas do planeta. O tema de um dos jogos pode ser relacionado diretamente ao desastre no Rio Grande do Sul. Em ‘The Forgotten City’, são explorados tópicos de ajuda humanitária e resiliência comunitária em uma cidade imaginária que enfrenta uma enchente catastrófica. Todo em inglês, o RPG será lançado em 28/5, aqui. Para saber mais informações sobre a iniciativa e sobre cada um dos cinco jogos, acesse.
USP lança espaço virtual sobre registros rupestres – A Rocha, o Entalhe e a Tinta: Os Registros Rupestres do Estado de São Paulo, nova mostra virtual desenvolvida pelo Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE), lança luz sobre registros únicos da cultura dos povos que habitaram o estado de São Paulo na pré-história. A iniciativa assume ideias de metaverso: um ambiente virtual 3D onde os usuários podem interagir entre si e com os objetos que compõem o espaço criado, em tempo real. Na mostra, o visitante pode caminhar pelo espaço livremente e interagir com outros visitantes, explorar informações, fotos, modelos tridimensionais e dados de sítios arqueológicos investigados em pesquisas do museu. Um mapa com a localização de 54 sítios identificados com arte rupestre é um dos destaques do espaço. Confira.
Eventos
25 anos do Museu da Vida Fiocruz - No dia 25 maio, o Museu da Vida Fiocruz (MVF) completa um quarto de século. A programação comemorativa teve início no dia 6, com a primeira conferência do seminário ‘ConversAções para Transformar’, proferida pelo deputado federal Pr. Henrique Vieira, que falou sobre 'Direitos humanos, ciência e saúde'. Serão ao todo seis palestras em maio e agosto, sobre temas de grande relevância para o campo museal. Os encontros serão transmitidos ao vivo pelo canal do MVF no YouTube. Mais informações aqui. Para o sábado, dia 25, uma programação toda especial está sendo criada e estará disponível em breve no site do museu. Vem comemorar com a gente!
Cresce o Pint of Science – O megaevento mundial acontecerá este ano nos dias 13, 14 e 15 de maio e o Brasil será o país com o maior número de cidades participando: 179 municípios de todas as regiões brasileiras. No ano passado, o número de cidades participando já era recorde, 120, mas este ano 41 municípios que nunca sediaram o evento se uniram, além do retorno de várias cidades que haviam deixado de participar da edição anterior. A expectativa é que cerca de 25 mil pessoas participem do festival. Confira as atividades por cidade.
III Encontro Brasileiro de Divulgadores de Ciência – Terminam em 25/5 as submissões de trabalhos nas modalidades artigo completo e resumo expandido, nas áreas de pesquisa acadêmica e relato de experiência. Com o tema “Educação, Ciência e Arte”, o evento ocorre entre 15 e 17/11, no Instituto Principia, em São Paulo, com transmissão simultânea on-line de suas mesas-redondas. Saiba mais.
Oportunidades
Apoio para mães cientistas – Está aberto até 13/7 o edital Apoio às Cientistas Mães com Vínculo em ICTs do Estado do Rio de Janeiro, parceria da Faperj com o Instituto Serrapilheira e com o movimento Parent in Science. O objetivo é apoiar e incentivar professoras/pesquisadoras que se tornaram mães nos últimos 12 anos, com a concessão de auxílio pesquisa no valor de R$ 120 mil. Confira.
Chamada de artigos sobre ciência-teatro – Até 15/6, a companhia portuguesa de teatro Marionet recebe submissões de artigos para o livro Theatre About Science: Performing and Communicating. A publicação dá sequência à segunda edição do colóquio internacional homônimo, promovido pela companhia em novembro de 2023, e está aberta a contribuições na área mesmo de quem não participou do evento. Mais informações.
Apoio para jornalismo investigativo – Jornalistas da América Latina e do Caribe têm até 26/5 para enviar propostas para a bolsa Connectas, que pagará entre $ 1.000 e $ 2.500 dólares para o desenvolvimento de matérias sobre diferentes temas, sendo um deles crimes contra o meio ambiente. As propostas devem ser enviadas em espanhol e, se contempladas, terão prazo de quatro meses para serem desenvolvidas. Informações completas, em espanhol.
Vaga para divulgador da ciência – A Animate Your Science, agência australiana especializada em produzir materiais criativos de divulgação científica, busca profissional talentoso e apaixonado por ciência para um contrato, inicial, de 12 meses, carga horária parcial e totalmente on-line. Doutorado, boas habilidades de escrita e conhecimentos em comunicação visual são pré-requisitos. O prazo para se candidatar é 13/5. Saiba mais.
Tem uma sugestão de notinha para a próxima edição do boletim Ciência & Sociedade? Oba! Envie para o e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..
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Ciência & Sociedade é o informativo eletrônico do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica do Museu da Vida (Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz). Editores de Ciência & Sociedade: Carla Almeida e Marina Ramalho. Redatores: Luís Amorim e Rosicler Neves. Projeto gráfico: Barbara Mello. Informações, sugestões, comentários, críticas etc. são bem-vindos pelo endereço eletrônico Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.. Para se inscrever ou cancelar sua assinatura do Ciência & Sociedade, envie um e-mail para Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..
* A seção Especial Desinformação é uma iniciativa do projeto “O desafio da desinformação em saúde: compreendendo a recepção para uma melhor divulgação científica”, contemplado pelo Programa Proep 2022, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e do CNPq.