Por Tatiane Lima e Renata Fontanetto
A abertura das atividades da 20ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia na Fiocruz no dia 17 de outubro foi marcada pelas reflexões da indígena de etnia pataxó Diadiney Helena de Almeida, historiadora e doutora em História da Ciência e da Saúde pela Fiocruz. A palestra “Rios de conhecimentos: demarcando a ciência com as vozes indígenas” ressaltou maneiras de compreender e lidar com as necessidades urgentes dos povos originários. Almeida, que também é professora do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), iniciou fazendo um convite à plateia:
“Eu venho trazer alguns incômodos, mas preciso conclamar todos vocês a navegar pelos nossos rios, a observar, a ouvir, mas também a se banhar, a beber de suas águas. É preciso colocar em prática uma ciência que possa conviver e dialogar excessivamente com universos que contêm outras percepções de mundo. Estou falando de tantas histórias apagadas e de tantas vozes silenciadas”.
A palestra foi mediada pela pesquisadora Ana Lúcia Pontes, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz), médica coordenadora do Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE). Estruturado em janeiro de 2023, o setor buscou reverter os impactos causados pela desassistência e pelo garimpo na saúde do povo Yanomami.
Pontes ressaltou que a presença de Almeida na mesa de abertura configura uma reparação histórica da instituição a diferentes profissionais indígenas da Fundação: “Quando nos conhecemos, eu fiquei me perguntando como foi possível a primeira doutoranda indígena da Fiocruz ter “passado em branco” dentro da instituição. Como isso não foi um marco? É uma trajetória muito comum para diversos indígenas: uma invisibilidade que as instituições dão historicamente a estas pessoas”.
Segundo Almeida, é preciso reivindicar a democracia cognitiva. “Queremos a soberania intelectual indígena. Como está dito na primeira carta da Marcha das Mulheres Indígenas realizada em 2019, não basta reconhecer nossas narrativas, é preciso reconhecer nossas narradoras”, defende. Por isso mesmo, a eleição recente do primeiro autor indígena para a Academia Brasileira de Letras, o imortal Ailton Krenak, é um reconhecimento tardio e que reflete a urgência de novas narrativas na sociedade.
“Em um de seus livros, Krenak diz que sempre vivemos perto da água, mas parece que ouvimos muito pouco os nossos rios. A existente estratégia colonial sempre coloca os povos indígenas num passado distante”, reflete a historiadora. O processo de colonização, segundo ela, ganhou respaldo de instituições científicas de renome ao longo de vários séculos de exploração. “Há generalizações irrealistas e estereotipadas e houve, a partir da ciência, um processo de racialização de diversos povos, incluindo os povos originários”, acrescenta.
No processo de colonização, o Estado mobilizou uma política de não existência dos povos indígenas, mesmo após a constituição de 1988. “Boa parte da população brasileira não nos reconhece. E isso diz muito sobre o que as instituições científicas de ensino não ensinam”, alerta Almeida.
Dos rios de conhecimentos à defesa da divulgação científica
A cerimônia de abertura também celebrou as mais de 160 atividades em todo o território nacional, nas diferentes unidades e escritórios da Fiocruz. Apenas no campus Manguinhos, no Rio de Janeiro, foram 144 atividades – de acordo com Ana Carolina Gonzalez, chefe do Museu da Vida Fiocruz e integrante do GT Executivo da SNCT na Fundação.
Representando o presidente Mário Moreira, a vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação (Vpeic), Cristiani Machado, celebrou o fato de a Fiocruz abrir suas portas ao público durante a SNCT: “É sempre um momento especial quando a Fundação recebe a comunidade para falar sobre o que fazemos. É um compromisso de comunicação nosso com a sociedade”.
O vice-diretor de Patrimônio Cultural e Divulgação Científica da Casa de Oswaldo Cruz, Diego Bevilaqua, afirmou que a Fundação vem fazendo um esforço de integrar as ações a nível nacional, fortalecendo o diálogo com o público. “Instituímos políticas de divulgação científica internas e tudo isso é resultado do esforço institucional para conseguir fazer uma divulgação científica a favor da democracia e da sociedade frente aos desafios globais”, informa.
Com o aumento da participação de diferentes setores institucionais, Lúcia Helena, representante do Sindicato dos Servidores de Ciência, Tecnologia, Produção e Inovação em Saúde Pública (Asfoc-SN da Fiocruz), avaliou a importância da comunicação pública da ciência que a Fiocruz produz para a sociedade. “A instituição é plural, soma conhecimentos e os integra às necessidades das comunidades”.
Para fazer essa divulgação científica de qualidade, recursos financeiros e humanos são necessários, o que foi um gargalo anos recentes. Cristina Araripe, coordenadora de Divulgação Científica da Vpeic, afirmou que, mesmo com as dificuldades enfrentadas nos últimos anos, a Fiocruz se manteve atuante: “Todo mundo fala que a ciência voltou, mas eu queria dizer que a Fiocruz sempre esteve aqui. Na SNCT deste ano, estamos em Niterói, na Baixada Fluminense no Rio, em diversos territórios pelo país e somos muitos”.
O encerramento da abertura ficou por conta da Premiação do 1º Concurso Portinho Livre de Literatura Infantojuvenil, promovido pelo Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict) com apoio do Edital Ideias Inovadoras do Programa Fiocruz de Fomento à Inovação. A iniciativa foi uma homenagem aos 50 anos do Programa Nacional de Imunizações do Brasil. Dentre 166 trabalhos recebidos, o júri do concurso elegeu como vencedor Luiz Amorim, de 14 anos, que viajou de São Luiz (Maranhão) para receber a placa de primeiro lugar. Toda a cerimônia foi transmitida on-line e está disponível ao público.
Publicado em 18 de outubro de 2023.