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Por Carlos Pinho

Atividades Aconteceram em diversos espaços do campus Fiocruz Manguinhos. Foto: Rogério Villar

A terça-feira (11) foi de muita troca de conhecimento e experiências por uma ciência mais diversa, inclusiva e equânime no XVIII Congresso RedPOP. Painéis, mesas-redondas, apresentações individuais, Feira de Ideias e lançamento de livro marcaram o segundo dia de atividades do maior evento de divulgação científica da América Latina.

 

Comunicação interligada na busca de soluções

A programação na Fiocruz, em Manguinhos, teve início às 9h, com o painel ‘Diversidade, decolonialidade e inclusão’, que recebeu a mexicana Susana Herrera Lima, do Instituto Tecnológico y de Estudios Superiores de Occidente (ITESO), a moçambicana Maria Paula Meneses, coordenadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, a canadense Carrie Boyce, diretora-executiva do Royal Canadian Institute for Science (RCIScience), e Felipe Monteiro, consultor em questões de acessibilidade, escritor e homem cego. Douglas Falcão, físico, doutor em educação e presidente da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência (ABCMC), fez a mediação.

Doutora em Estudos Científicos Sociais, na área de Comunicação, Cultura e Sociedade, Susana Herrera Lima falou sobre a importância da comunicação pública da ciência centrada nos problemas socioambientais como ferramenta de inclusão e promoção da diversidade. Na apresentação, a pesquisadora falou sobre o papel da comunicação da ciência a partir da experiência em comunidades da cidade de Guadalajara (México), entendendo as realidades locais, as problemáticas e os grupos sociais. Para ela, agregar outros conhecimentos tradicionais não é uma opção, é obrigatório na divulgação científica. Além disso, é preciso uma integração entre cientistas, sociedade civil e as pessoas afetadas para a compreensão das problemáticas.

 

Ecologia de saberes

Já Maria Paula Meneses abordou os debates pós-coloniais no contexto africano e do papel da história oficial, da memória e das narrativas de pertencimento nos processos identitários contemporâneos. Na sua análise, o olhar eurocentrado atribui historicamente estereótipos a outros saberes que nunca foram encarados como ciência, invalidando-os e descredibilizando-os, como, por exemplo, os conhecimentos indígenas e tradicionais. Na contramão dessa construção histórica, ela ressalta que "a ecologia de saberes é necessária para descolonizar as mentes", principalmente das pessoas que vivem em países que passaram por violências da colonização.

"Precisamos de diálogos que promovam a descolonização recíproca e, principalmente, precisamos desmarginalizar a África e todo o Terceiro Mundo em relação ao conhecimento", afirma Meneses.

 

Arte, inclusão e criatividade

Carrie Boyce, que participou por vídeo, falou da sua experiência de mais de uma década no engajamento público na divulgação científica e do trabalho realizado no ‘Science is a Drag’, projeto em que cientistas falam sobre ciência a partir da arte drag queen para promover a inclusão 2SLGBTQIA+ em STEM (do inglês, ciência, tecnologia, engenharia e matemática). A iniciativa tem o propósito de falar sobre qualquer assunto da ciência que as pessoas pesquisadoras drags estudam, questionar e confrontar as injustiças e ser um espaço acolhedor e de união para pesquisadores 2SLGBTQIA+.

O projeto, que recebeu o Prêmio Especial de Envolvimento Científico Inclusivo na competição internacional Falling Walls Breakthrough of the Year, propõe uma reflexão sobre os estereótipos heteronormativos do meio e os sentimentos anti-2SLGBTQIA+ que afastam essas populações da ciência, em qualquer país do mundo. De acordo com Carrie Boyce, a ideia surgiu da vontade de se criar um local seguro para que as participantes se sintam livres para existir, sendo o que verdadeiramente são, diferentemente de outros ambientes acadêmicos, onde a repressão persiste. “‘Science is a Drag’ não é só um show para as pessoas queer, é um santuário para empoderar a ciência, a inclusão, a arte e a criatividade”, conta.

 

Pessoas e tecnologias por mais acessibilidade

Felipe Monteiro no Painel Diversidade, decolonialidade e inclusão. Crédito: Rogério Villar

Felipe Monteiro, mestre em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas pela Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEbF/UERJ) e doutorando em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), falou dos desafios ainda enfrentados pelas pessoas com deficiência visual no ensino superior desde o processo seletivo e da necessidade da integração de todas as pessoas envolvidas para mudar esse cenário, com capacitação e empatia, não apenas a criação de ferramentas tecnológicas de acessibilidade. Ele completou afirmando que os direitos das pessoas com deficiência precisam estar garantidos, tendo as mesmas condições para participar de qualquer iniciativa na sociedade, sejam elas surdas, cegas, com baixa mobilidade e outras vivências.

Especialista em tradução audiovisual acessível e em acessibilidade cultural e autor de cinco livros, Monteiro relatou também o seu encanto pela audiodescrição e tecnologias digitais aplicadas à educação. "Quando eu me tornei uma pessoa com deficiência visual, eu já tinha feito faculdade. Quando fiquei cego, eu busquei especializações em acessibilidade", afirma Monteiro. No entanto, a falta de acessibilidade já nas inscrições em concursos, por exemplo, é um sério entrave no crescimento de muitas pessoas com deficiência.

"Não faz sentido produzirmos um produto acessível sem termos contato com o público ao qual ele se destina e sem incluirmos no processo de concepção. Não existe acessibilidade plena; é um processo, todos nós juntos construímos", pontua.

 

A trilha sonora de um povo

Na sequência, o Congresso RedPOP 2023 contou com mais de 200 trabalhos em apresentações individuais, realizadas simultaneamente em diferentes espaços, e na Feira de Ideias, realizada na Tenda da Ciência, abordando temas como ciência, arte e sustentabilidade.

No auditório de Bio-Manguinhos (NAPA), por exemplo, foi apresentado o trabalho ‘As Canções: trilhas sonoras de vida e cantorias na cidade’, projeto de extensão da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), de autoria de Maysa Liandra Bianchini, Juliana Alves Mota Drummond, Marcos Edson Cardoso Filho, Valéria Leite Braga, Bruna Guimarães, Elisangela Naves Vivas, Flávio Marcionilho Pires dos Santos Moura, Laiene Belmonte, Suelen Campos e Victor Rodrigues Almeida e Sousa.

O projeto de sensibilização por meio da música surgiu da necessidade de estreitamento dos afetos, das trocas de experiências e memórias de vida no período pós pandemia, tendo em vista a ideia de que o isolamento social gerou uma grande necessidade de encontros e trocas entre os indivíduos. A iniciativa foi inspirada no filme ‘"As Canções’", do documentarista Eduardo Coutinho, que aborda a relação entre o cancioneiro brasileiro e a memória afetiva de pessoas comuns na construção das trilhas de suas vidas. Nesse sentido, o projeto proporcionou uma experiência coletiva em algumas praças da cidade de São João del-Rei (MG).

A ação foi planejada para acontecer em dez praças diferentes nos bairros da cidade, estruturadas em um ambiente acolhedor e participativo, convidando os moradores a cantar e compartilhar suas histórias, memórias e emoções evocadas pelas canções, organizadas em um livro, confeccionado por educadores, bolsistas e voluntários, com letras de músicas do cancioneiro popular de épocas e estilos variados. Todas as atividades foram acompanhadas pelos professores e alunos dos Departamentos de Música e de Artes da Cena da UFSJ, resultando em um laboratório de prática de música popular.

“Buscamos histórias que não são contadas nas grandes mídias e transformamos em produto artístico para disseminar a história da nossa cidade”, explica a participante Bruna Guimarães. Para Laiene Belmonte, o Congresso RedPOP tem sido muito importante pelo espaço à interdisciplinaridade e por mostrar que a arte também é ciência. “Ainda há muito preconceito, e é muito importante podermos estar aqui falando sobre o que a gente faz a partir de uma cidade do interior de Minas Gerais”, destaca.

 

Mesas simultâneas

Das 15h30 às 17h, foi a vez das mesas simultâneas ganharem espaço. Foram cinco encontros realizados nos auditórios de Bio-Manguinhos, do Museu da Vida Fiocruz, do Centro de Documentação e História da Saúde (CDHS) e do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), além da Tenda da Ciência. Os temas perpassaram os desafios e propostas para a divulgação científica em espaços públicos, integração entre teatro e ciência na inclusão sociocultural, enfrentamento ao negacionismo e a importância do feminismo na pesquisa e divulgação científica.

Destaque para ‘Gênero e interseccionalidade na divulgação científica’, que recebeu as pesquisadoras Verônica Soares da Costa (PUC Minas), cujas pesquisas versam sobre a comunicação pública da ciência nos ambientes digitais a partir do olhar dos estudos feministas da ciência; Fatine Conceição Oliveira (UFMG), que pesquisa feminismos e mulheres com deficiência; Katemari Rosa (UFBA), que pesquisa como as intersecções de gênero, raça e sexualidade contribuem para diversas opressões na construção da ciência e das identidades científicas; Ana Lucia Nunes (Nutes/UFRJ), que pesquisa educação e relações étnico-raciais; e Marcia Cristina Bernardes Barbosa (UFRGS; Secretária de Políticas e Programas Estratégicos do MCTI), que pesquisa relações de gênero, ciência, tecnologia e políticas públicas. A; e moderação foi de Gabriela Reznik (Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz), que pesquisa a construção de pertencimento às áreas científicas de jovens mulheres em projetos de divulgação científica.

As convidadas compartilharam as suas trajetórias, barreiras e comentaram a contribuição de uma perspectiva feminista interseccional para o campo de pesquisa e de prática na DC, ponto ainda pouco explorado nas pesquisas. Falaram também sobre como uma ciência mais diversa, inclusiva, e que se alinhe a valores antirracistas e antissexistas são importantes para o desenvolvimento.

“Precisamos pensar no outro sem a visão de superioridade e inferioridade. Esse processo se dá desde o início da colonização e a construção de hierarquização entre povos imposto pelos europeus se deu também na esfera do conhecimento”, reforça Katemari Rosa.

 

Vozes diversas em celebração

Publicação, que tem o Museu da vida Fiocruz entre os organizadores, foi lançada durante a RedPOP. Crédito: Rogério Villar

 

O público que acompanhou e participou das atividades ao longo dessa grande jornada de saber pôde confraternizar ao fim do dia no Encontro de Boas-vindas, preparado pela organização do evento.

Foi um momento de muita alegria, integração e interação, embalado por música e dança. A atividade que finalizou a programação também contou com lançamento do ‘Guia de Centros e Museus de Ciência da América Latina e do Caribe 2023’ (linkar com texto do site sobre o guia!), organizado por Luisa Massarani, Mariana de Souza Lima, Ma. de Lourdes Patiño-Barba, Luís Amorim, Rodrigo Arantes Reis e Marina Ramalho.

Publicado em 12 de julho de 2023.

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