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Por Teresa Santos
 

Mesa de abertura Museus e territórios. Crédito: Jeferson Mendonça

Quando pensa em território, o que vem à cabeça? A ideia de uma extensão de terra delimitada por fronteiras é um dos conceitos mais comuns, no entanto, as concepções de território podem ir além do espaço geográfico. A 4ª edição do Seminário de Pesquisa e Prática em Museus, realizada nos dias 9 e 10 de novembro no Auditório do Museu da Vida Fiocruz e transmitida ao vivo no nosso canal do YouTube, mostrou que território também é construído por representações, história e memória. O evento, que teve como tema ‘Museus e Territórios’, discutiu justamente essa concepção que ‘transborda’ e que envolve relações sociais, econômicas, políticas e culturais, bem como dimensões simbólicas e de poder.

A atividade foi pensada por integrantes do Núcleo de Estudos de Público de Avaliação dos Museus (NEPAM), do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica (NEDC), do Núcleo de Desenvolvimento de Público do Serviço de Educação do Museu da Vida Fiocruz e também por parceiros do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM), do Conselho Comunitário de Manguinhos e do Museu da Maré.

Héliton Barros, chefe do Museu da Vida Fiocruz. Crédito: Jeferson Mendonça

Héliton Barros, chefe do Museu da Vida Fiocruz, destacou a importância do tema para a instituição. “A gente sempre trabalhou com o território. É uma relação muito imbricada, não só uma ação de museu, de visitação. Temos parcerias com escolas, professores, movimentos sociais, ONGs, associações de moradores, cooperativas, então é uma relação muito próxima”, destacou.

Para Denise Studart, integrante do NEPAM/Museu da Vida Fiocruz que esteve à frente da coordenação do seminário, a construção colaborativa foi um ponto positivo e que permitiu trazer as visões de diferentes lados, da instituição e do território. “O tema território e as pautas sociais fazem parte das pautas de trabalho da Casa de Oswaldo Cruz (COC), do Museu da Vida Fiocruz e da Fiocruz como um todo”, ressaltou.

Durante a mesa de abertura, realizada na manhã do dia 9 de novembro, Claudia Rose Ribeiro, co-fundadora do CEASM e integrante da Rede de Museologia Social do Rio de Janeiro, lembrou que é no território que se vive e que se constroem os sonhos e as políticas públicas. “Precisamos nos organizar e lutar para que as nossas propostas e demandas, principalmente aquelas vindas dos nossos territórios sejam ouvidas”, pontuou.

Para Marcos José Pinheiro, diretor da COC/Fiocruz, o seminário trouxe a possibilidade de debater assuntos que são estruturais e que não podem ficar em segundo plano. Ele destacou ainda a importância de ter instrumentos, como o acordo de cooperação firmado entre a COC e
parceiros do território, para potencializar ações.

José Leonídio de Souza, da coordenadoria de Cooperação Social da Fiocruz, ressaltou que iniciativas que dialogam com os territórios contribuem para romper com um modelo que limita a melhoria da qualidade de vida das pessoas. E destacou o Programa Institucional Territórios Sustentáveis e Saudáveis (PITSS), instituído em 2019, como uma ação importante nesse contexto.

Museologia Social, Decolonialidade e Políticas Públicas
Ao longo da manhã de quarta (09/11), pesquisadores debateram a museologia na perspectiva dos movimentos sociais e da decolonialidade. E também discutiram acerca de políticas públicas culturais para os territórios e o papel dos museus de ciência na transformação social.

A mesa-redonda foi mediada por Denise Studart, do NEPAM/Museu da Vida Fiocruz. Douglas Falcão, educador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) e ex-diretor do Departamento de Popularização e Difusão de Ciência e Tecnologia da Secretaria de C&T para Inclusão Social/MCTI, trouxe sua experiência com o projeto "Nós no MAST". Iniciada em 2019, a iniciativa busca estreitar as relações do museu, que fica no bairro de São Cristóvão (RJ), com a comunidade. Outro compromisso é gerar indicadores para avaliar a relação do museu com a comunidade.

Já Alice Ribeiro, pesquisadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT/CPCT), apresentou dados de seu mestrado em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde na Fiocruz. Ela investigou a influência da museologia social nos museus de ciência e ecomuseus. A partir de entrevistas com gestores e educadores do Museu da Vida Fiocruz e do Museu da Maré, ela entende que para ampliar as possibilidades de participação social “torna-se necessário compreender a ciência enquanto conhecimento produzido socialmente, superar a ideia de hierarquia de saberes e reconhecer que os museus de ciência não apresentam narrativas neutras ou universais”.

Para Marcelle Pereira, reitora e professora de Museologia da Universidade Federal de Rondônia e vice-presidente do Minom – Movimento Internacional para uma Nova Museologia, existem várias formas de decolonialialidade que nos amarram. Ela defendeu que a perspectiva decolonial deve ser um projeto de vida. E, no que diz respeito à museologia social, afirmou ser algo essencial para transformar a sociedade e desatar os nós do silêncio, dando visibilidade aos antes invisibilizados. Essa jornada, segundo ela, envolve um processo de transformação
que representa "transbordar" as fronteiras.

Antônio Carlos Vieira, fundador do CEASM e diretor do Museu da Maré, lembrou políticas públicas importantes para o campo da cultura e da museologia criadas entre 2003 e 2009, por exemplo, o Programa Cultura Viva, a Política Nacional de Museus, o Estatuto dos Museus e o
Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). “A gente tem muitos desafios. Precisamos entender que o museu social não é um fim, mas sim um meio, um instrumento”, afirmou, destacando que a participação comunitária é fundamental.

Participação Social, Saúde e Memórias
Durante a tarde de quarta (09/11), pesquisadores promoveram um debate crítico sobre participação social, saúde e memórias, apresentando experiências culturais participativas com o protagonismo de coletivos, associações e movimentos sociais. Segundo o mediador da sessão Alessandro Machado, do Núcleo de Desenvolvimento de Público do Serviço de Educação/ Museu da Vida Fiocruz, a atividade foi inspirada pela “insistência em uma determinada linha historiográfica e acadêmica de silenciar o protagonismo dos moradores de territórios de favela”.

De acordo com André Luiz da S. Lima, da Coordenação do Projeto de Promoção de Territórios Saudáveis e Sustentáveis em Centros Urbanos, Cooperação Social da Presidência da Fiocruz, quando se trata de favela, as designações partem sempre de uma lógica de ausência, de pobreza e de inadequação. E isso é fruto de questões estruturais da sociedade brasileira, entre elas, o racismo, a desigualdade social e a criminalização da pobreza. Para ele, é importante reconhecer os processos de vulnerabilização social, econômica e cívico-política, mas também atentar para a potência dos moradores de favela na constituição de novos saberes.

Mariana Maia, artista educadora do Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (MUHCAB), contou um pouco da história do museu que trata das questões da negritude. Criado pela Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro por decreto em 2017, o MUHCAB só foi inaugurado em 2021. Ele fica na região da Gamboa, mais especificamente em um território conhecido como Pequena África. No seu entorno, existem várias favelas, entre elas, a da Providência, uma das primeiras favelas do país. "O território que ele habita é importantíssimo para pensarmos o que é o Brasil”, ressaltou Mariana.

Outro museu destacado na sessão foi o Museu das Remoções, localizado na Vila Autódromo, Jacarepaguá. Lourrane Cardoso, coordenadora do Pré-vestibular Popular JPAulas, educadora popular e militante do Fórum de Pré-vestibulares, trabalhou com a instituição em sua monografia do curso de História na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). O museu nasceu como resistência da comunidade da Vila Autódromo durante remoção promovida pela prefeitura. "O acervo são os escombros que ficaram e a narrativa das pessoas que ainda moram lá" contou. As remoções envolvem higienização territorial e são promovidas quando “o corpo preto, o corpo favelado, o corpo pobre passa a não ser mais bem-vindo em um lugar que ficou muito valorizado”, afirmou.

Marcelo Dias, diretor de Comunicação do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras – IPCN, trouxe exemplos de resistência negra e popular na Vila Cruzeiro, que faz parte do Complexo da Penha no Rio de Janeiro. Há algumas décadas, quando era secretário da associação de moradores dessa localidade, Marcelo e outros moradores travaram lutas para ter acesso à água potável e à luz. A vitória veio após muitas manifestações, passeatas e assembleia com quórum recorde.

Ações Formativas com e no Território
A manhã da quinta (10/11) foi dedicada ao debate acerca dos desafios relacionados às ações formativas, no que tange à interlocução entre museus, escolas, movimentos sociais e atores dos territórios de favelas.

Créditos: Jeferson Mendonça

Renata de Oliveira, integrante do Grupo de Ações Territorializadas (GAT)/Museu da Vida Fiocruz, discorreu sobre o GAT, explicando que seu objetivo é promover divulgação e popularizar a ciência especificamente em territórios socialmente vulnerabilizados de favelas.

Para tanto, o grupo trabalha com itinerância de atividades educativas, com ações de formação em territórios e com o Expresso da Ciência, um ônibus do Museu da Vida Fiocruz. Ela destacou que há uma troca constante: “as vivências das pessoas nos fazem sair dali com uma dose de
conhecimento, com um pouco mais de formação”, ressaltou.

Nlaisa Luciano, artista e educadora popular do pré-vestibular do CEAMS da Maré e integrante do Fórum de Pré-Vestibulares Populares do Rio de Janeiro, abordou o trabalho dos pré- vestibulares em favelas. Para ela, eles travam uma disputa constante com a morte. “A gente percebe que fazer educação popular está muito além de estar numa sala de aula com essa ilusão de transmitir um conhecimento”, destacou. E contou ainda sobre um projeto em construção: um mapeamento e criação de uma plataforma com pré-vestibulares no Rio de Janeiro. A iniciativa do Fórum de Pré-Vestibulares Populares do Rio de Janeiro é uma parceria com o projeto Tecendo Diálogos e Produzindo Conhecimento, da Fiocruz.

Luiz Lourenço, docente do CEASM e geógrafo no Observatório de Conflitos Urbanos na Cidade do Rio de Janeiro, apresentou um método de ensino que vem utilizando em sala de aula desde 2015 e que envolve cartografia social. Ele estimula os alunos a indicarem lugares dentro da Maré que representam espaços de medo e violência, de felicidade, de lazer/atividades e de tristeza. Os dados são usados para construir um mapa. "Com a cartografia social eles me dizem coisas que não falariam através da oralidade. Então, eu aprendo a enxergar o que está invisível”, destacou.

O dia a dia da sala de aula e seus desafios também foram abordados por Rachel de A. Viana, professora de Sociologia da Rede Estadual de Educação do RJ e pesquisadora de pós- doutorado na COC/Fiocruz. Para ela, “o espaço escolar tal como ele é hoje é uma ilustração da negação de uma série de direitos”, ressaltou. E reforçou a importância de enfrentar e confrontar esse modelo. “Precisamos pensar em uma política de educação de verdade que seja pensada de baixo, vinda dos atores de baixo”, pontuou.

Carla Gruzman, do NEPAM/Museu da Vida Fiocruz e mediadora da mesa-redonda, destacou a importância da escuta como ferramenta para possibilitar a construção de trabalho conjunto.

Comunicação da e na Favela
A última mesa-redonda do seminário, realizada na tarde de quinta (10/11), teve como foco ações de comunicação realizadas por coletivos da favela e de territórios na periferia. Segundo Julianne Gouveia, jornalista do Núcleo de Mídias e Diálogo com o Público (Numid)/Museu da Vida Fiocruz e mediadora da atividade, as questões territoriais são fundamentais para o Museu da Vida Fiocruz e isso também dentro da comunicação.

Rosicler Neves, do NEDC/Museu da Vida Fiocruz, compartilhou os primeiros passos de uma iniciativa desenvolvida a partir do Programa Fiocruz de Fomento à Inovação, “Inova Fiocruz”. A ação identificou coletivos de comunicação comunitária, investigou se e como temas de ciências eram abordados por eles e propôs a construção conjunta de novas formas de divulgação. “Nós identificamos que temos muito a aprender, a construir com os comunicadores”, destacou, acrescentando que farão encontro presencial em 2023 e construirão um curso de curta
duração.

Fábio Monteiro, engenheiro ambiental sanitarista, comunicador comunitário e membro do Conselho Comunitário de Manguinhos, compartilhou sua experiência em comunicação dentro do território de Manguinhos no período da pandemia de Covid-19. Em articulação com outros grupos, surgiu o movimento ‘Favelas contra o coronavírus’ para transmitir informações sobre a pandemia. Ele destacou ainda a parceria com a campanha da Fiocruz "Se liga no Corona!"; e a criação do selo ‘Fiocruz Tá Junto’, que validou materiais de comunicação comunitária sobre Covid-19. A experiência deixou um legado material, mas também intelectual. “Tanto nós, do território, quanto a Fiocruz aprendemos a dialogar, a construir horizontalmente”, disse, acrescentando que a força coletiva também é um legado. “A favela é potente, ela tem uma capacidade muito grande”, pontuou.

Comunicação da e na Favela. Crédito: Jeferson Mendonça

Jonas Di Andrade, coordenador do Portal de Notícias do Voz das Comunidades, cuja redação fica no Complexo do Alemão, também destacou o trabalho de comunicadores populares na pandemia de Covid-19. Eles passaram a utilizar o site do Voz da Comunidades, redes sociais, jornal impresso e canal do YouTube para informar as pessoas do território sobre a doença. Além disso, criaram um Painel de Covid-19 nas favelas com números de casos, de mortes e de recuperados atualizados periodicamente. Inicialmente, reuniu dados de 25 favelas do Rio de Janeiro. E, posteriormente, subiu para 40. A ferramenta era alimentada por dados da prefeitura, do governo estadual e de clínicas das famílias.

E ainda teve mais.....
Além de mesas-redondas, teve apresentação da performance teatral “O Muro” no dia 9 de novembro. Os atores da Maré, Geandra Nobre e Matheus Frazão, trouxeram uma reflexão sobre atos de resistência, reconciliação e resiliência.

No último dia (10/11), a exposição "Manguinhos Território em Transe"; foi exposta no evento. Teve ainda lançamento da versão imprensa do livro "Quando a Favela Vai ao Museu, e Quando o Museu Vai à Favela". A obra de Alessandro Machado, Denyse Amorim, Priscilla Abrantes e Renata de Oliveira registra o trabalho do GAT/Museu da Vida Fiocruz.

Perdeu alguma das discussões? Então, acessa o canal do YouTube do Museu da Vida Fiocruz, onde é possível acessar todas as apresentações com tradução em libras.

Publicado em 17 de novembro de 2022.

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