Por Teresa Santos
Museu é um lugar de encontros. E, essa semana, o Museu da Vida Fiocruz pôde, mais do que nunca, dar vida a esta vocação. Nos dias 5 e 6 de setembro, recebemos a visita do Pajé Barbosa, do povo Pitaguary, e de sua assistente Francilene Pitaguary. Eles vieram ao museu em companhia da museóloga e professora Marília Xavier Cury, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP).
À frente desta iniciativa, está Paula Bonatto, coordenadora do Serviço de Educação do Museu da Vida Fiocruz. O encontro representa o começo de um diálogo que tem como objetivo final a produção coletiva de uma exposição focada no conceito saúde indígena. Para viabilizar esse projeto e facilitar sua implementação, está sendo construído um convênio entre a Casa de Oswaldo Cruz (COC) e o MAE-USP.
A ideia surgiu a partir da percepção de uma carência. “Existe uma dificuldade muito grande de diálogo entre as culturas tradicionais e o sistema de saúde, embora isso esteja muito bem amarrado nas propostas da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Mas, na prática, existem muitas dificuldades em ouvir essas culturas tradicionais, conhecer como elas organizam sua visão de saúde. Identificamos, então, que poderíamos ajudar nesse processo criando uma exposição onde os pajés, os povos indígenas pudessem expressar essas visões”, destacou Paula.
Segundo a museóloga Marília, que há anos atua em processos colaborativos com grupos indígenas, a intenção é trabalhar com a tolerância, o respeito e a valorização, sempre entendendo que a visão de saúde é holística. Para tanto, utilizarão da museologia colaborativa, empregando métodos de cocriação, copesquisa, coprodução e coaprendizagem - ou seja, ‘fazer junto’. “Queremos que a exposição traga a voz indígena na primeira pessoa. Eles serão os curadores e decidirão o recorte, a narrativa, os elementos e o texto”, explicou a professora do MAE-USP.
O pajé Barbosa e sua assistente Francilene, que são lideranças na Terra Índigena Pitaguary, localizada entre os municípios de Maracanaú e Pacatuba (CE), participarão da curadoria da nova exposição. A pajé (kujan) Dirce Jorge, liderança do povo Kaingang na Terra Indígena Vanuíre, localizada em Arco-Íris, São Paulo, e sua assistente também integrarão a curadoria.
A ideia é que outros povos indígenas sejam contatados a partir da Rede Indígena de Memória e Museologia Social no Brasil para integrar o projeto.
Dois dias de muita emoção
A visita ao campus de Manguinhos nos dias 5 e 6 de setembro potencializou o diálogo entre a cultura ocidental e as culturas indígenas. “Viemos aqui para eles entenderem o lugar Fiocruz, esse lugar museu, esse lugar equipe, o espírito das coisas, as memórias, quem luta por este lugar e quem já lutou lá atrás”, explicou a professora Marília, ressaltando que esse passo inicial contribui para o surgimento de ideias.
Ao longo dos dois dias, o grupo conheceu o campus, a reserva técnica e a biblioteca do Museu da Vida Fiocruz, além do Centro de Documentação de História da Saúde da Fiocruz. Também visitou as exposições ‘Manguinhos Revelado: um lugar de ciência’, no Pavilhão do Relógio, a exposição 'Vida e saúde: relações (in)visíveis', no prédio da Cavalariça, e a exposição 'Rios em Movimento', no Salão de Exposições Temporárias.
“Conhecer a Fiocruz é prazeroso porque é a primeira vez que estou vendo o contexto dos anos de trabalho de Oswaldo Cruz. Foi muito emocionante e me deu um orgulho danado de saber que ele dedicou toda a vida à humanidade, à saúde”, destacou o pajé Barbosa.
O sentimento foi compartilhado. “Sabemos que Oswaldo Cruz fez muitas pesquisas dentro de aldeias. As exposições e o material dele mostram isso, mostram onde ele passou. Ele trouxe esperança para os povos indígenas. E não desistiu. O que mais me emociona de estar aqui é que as pessoas que trabalham neste local repassam a mesma alegria, o mesmo prazer de trabalhar que ele tinha. Elas passam esse aconchego de família”, ressaltou Francilene Pitaguary.
Museologia indígena e aprendizado
O povo Pitaguary mantém um acervo étnico e ambiental no Museu Indígena Pitaguary. Segundo Francilene, o local se preocupa em dialogar sobre saúde mental, bem-estar e a importância da preservação da natureza. "A mata, os nossos rios, a amizade, tudo faz parte do nosso museu. O nosso museu é um museu vivo porque as nossas peças estão na casa delas”, disse, explicando que lideranças indígenas como o pajé também fazem parte deste espaço e eles guardam a história. “Muitas coisas também são terreno sagrado e também fazem parte do museu. Nosso museu tem essa diferença. A gente não utiliza só o prédio, mas também utilizamos o território todo, a nossa terra como museu”.
Para Francilene, que além de ser uma liderança no seu povo, também é universitária e seguidora do pajé nos eixos espiritual e material, a parceria que está sendo construída é a realização de um sonho: “Vamos trazer a medicina tradicional e a medicina convencional. Vejo que é uma parceria que dá certo”.
A promoção de atividades envolvendo curadoria com participação social é uma preocupação de longa data do MVF. “Nós somos uma instituição pública e temos que servir a todas as culturas, à multiplicidade e à diversidade cultural que temos no Brasil. E saúde é um tema que é caro a ambas as culturas, tanto a nossa cultura científica quanto às culturas indígenas. Eles têm uma visão integral de saúde. Eles se preocupam com a saúde das florestas, dos animais, das plantas e com a nossa saúde humana de uma forma integrada. A cultura ocidental que criamos, que é tão destrutiva, tem muito a aprender com eles. E estamos nesse processo de aprendizado”, encerrou Paula Bonatto.
Publicado em 09 de setembro de 2022.