Por Julianne Gouveia
Debora T. Santos Menezes é apaixonada por museus. Ela alimentava um sonho antigo: pesquisar o público de não visitantes de instituições museológicas. Esse desejo motivou a dissertação ‘Público Ausente no Território de Centros e Museus de Ciências: caminhos para a cidadania e o engajamento’, desenvolvida por ela no Mestrado em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde da Casa de Oswaldo Cruz.
Na pesquisa, a mestra investigou como se dá o diálogo entre os centros e museus de ciências e os indivíduos em situação de vulnerabilidade socioeconômica que vivem em seus territórios. Com base em bibliografia sobre o tema e nos relatos de trabalhadores destas instituições de ciências do Brasil, ela buscou desvendar caminhos para colaborar na redução das desigualdades e na ampliação do acesso aos centros e museus de ciências por camadas mais amplas da população, oferecendo possibilidades para se repensar o papel social dos museus. Debora T. Santos Menezes agora compartilha algumas de suas descobertas nesta edição do ‘Conta Aí, Mestre’, respondendo a perguntas enviadas pelos visitantes do Museu da Vida nas redes sociais. Confira!
Júlia Botelho Pereira (@juliadumardd): Débora, gostaria de saber quais foram seus resultados, mas também a sua percepção durante as entrevistas quanto a abertura para esse debate nas instituições museológicas, as falas foram no sentido dele ser algo que a instituição como um todo tem como preocupação? Só o educativo? Só algumas pessoas? Esses profissionais são incentivados, ou, ao contrário, percebem resistência na hora de tratar do tema?
Debora Menezes: Oi, Julia, a sua pergunta é maravilhosa! A resistência fez, sim, parte dos relatos em vários contextos. Nas palavras deles: “o caminho não é livre de embates”. No caso dos profissionais que trabalham em instituições que definiram esta abordagem como prioridade institucional, as resistências foram sendo superadas ao longo do tempo, com muito debate. Também percebi que, nestas instituições, houve um compromisso de longo prazo assumido pela direção, e os debates e trocas entre todas as áreas fazem parte da rotina e dos cuidados para que o acolhimento do público seja cada vez melhor.
Alice Ribeiro (@aliceribeiro272): Parabéns Debora! Para você, quais são os principais desafios para a ampliação desse acesso?
Debora Menezes: Obrigada, Alice! São muitos desafios, pois a ampliação do acesso a novos públicos passa por mudanças em questões estruturais, históricas, enraizadas. Existem os desafios para iniciar um processo de mudança, o que nunca é fácil, em especial quando muitos profissionais já relatam dificuldades para realizar as atividades básicas. Então, essa discussão acaba sendo postergada, o que é compreensível. Mas, enquanto isso, os anos, as décadas vão passando e o perfil de visitantes não muda. Outro desafio é partir para a ação, no presente. Já existe consenso sobre a importância do papel social dos museus, este debate acontece há mais de cinquenta anos. Mas o perfil dos frequentadores não agendados segue mais próximo da elite da sociedade. Podemos seguir assim? A desigualdade social é um fenômeno que vem crescendo em alta velocidade, como aponta relatório da PNUD de 2019. Como ressalta Castelfranchi, na nossa sociedade estratificada, muitos nem têm a consciência da importância da popularização da ciência até mesmo para o fortalecimento da democracia. Então, penso que a definição de políticas públicas de longo prazo para fomento à divulgação científica seja outro desafio. Não podemos recomeçar os esforços a cada novo governo. Existe uma proposta já discutida pelo campo, mas é necessário lutar para colocá-la em prática.
Rodrigo Menezes (@rodrigo.pio): Se a pesquisa pudesse ter sido feita presencialmente quais outros elementos poderiam ter sido investigados?
Debora Menezes: @rodrigo.pio, meu companheiro de vida e principal incentivador, obrigada pela pergunta! Estavam previstas entrevistas e visitas nas quais eu estaria junto aos participantes em vulnerabilidade socioeconômica que residem no território de duas instituições. A investigação buscava conhecer aspectos da percepção deste público relacionada ao imaginário de uma visita ao museu de ciências e também sobre a primeira experiência de visita ao museu: seus relatos, sensações e reações e como os aspectos do ambiente poderiam contribuir para aproximar ou afastar o visitante. Um dos apontamentos da pesquisa realizada foi justamente a necessidade de estudos adicionais que investiguem este engajamento. Eu gostaria muito de retomar este projeto em outro contexto.
Denyse Amorim (@de.nyse9712): Parabéns! Gostaria de saber se o desconhecimento sobre o tema ciências é um impedimento para a baixa frequência.
Debora Menezes: Obrigada, @de.nyse9712! Creio que não, pois o interesse pode existir mesmo que não esteja presente o conhecimento proporcionado pela educação formal. A gente sabe, por uma pesquisa do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) de 2019, que a maioria dos brasileiros (62%) é interessada ou muito interessada em algum assunto relacionado a ciência e tecnologia - os de maior interesse são medicina e saúde e meio ambiente. A baixa frequência é mais associada aos aspectos culturais, sociais e institucionais, que formam barreiras para o acesso a estes espaços a um público mais amplo. Mesmo que não seja sistematizado por um diploma, temos o conhecimento fruto das experiências e das tradições ou histórias familiares. Uma vez que o público tem contato com as atividades, os participantes citaram o quanto o conhecimento é libertador, e a democratização deste conhecimento como parte da missão dos museus de ciências foi muito destacada. Os relatos foram emocionantes, como no exemplo de públicos diversos que se sentem incluídos nas atividades de divulgação da ciência. São crianças de escolas públicas de regiões em vulnerabilidade socioeconômica, que despertam para novos horizontes de vida até então inimagináveis, como ser um cientista. Ou adolescentes em conflito com a lei que têm a oportunidade de atuar como mediadores de exposições enquanto todo o resto da sociedade fecha as portas para eles. Há ainda moradores de rua que aprendem conceitos da física, como transferência de calor, e entendem por que determinadas soluções improvisadas o ajudaram a não sentir frio. Quando conhecemos estes relatos, entre outros que fizeram parte dos resultados, percebemos o quanto eles foram capazes de mudar perspectivas e o quanto podemos ganhar enquanto sociedade se trabalharmos para ampliar esse tipo de oportunidades.
Mayara Manhães (@maymanoli): Parabéns, Débora! Excelente tema de pesquisa. É muito necessário esse debate. Gostaria de saber se os sujeitos socialmente vulnerabilizados enxergam os museus e CCs [centros de ciências] como lugares elitizados. E também se eles sugerem mudanças nessas instituições para que se sintam mais representados.
Debora Menezes: Obrigada, @maymanoli! Realmente, este debate é urgente. Que bom receber sua pergunta e poder falar deste aspecto! Certamente, os relatos compartilham a existência de uma grande barreira de acesso dos indivíduos em vulnerabilidade socioeconômica, relacionada a questões culturais e de identidade. Eles podem se sentir intimidados pela presença de um segurança na portaria ou pela escala arquitetônica portentosa dos edifícios. Podem sentir insegurança por não possuírem os conhecimentos prévios para compreender o que é apresentado ou por desconhecerem os códigos de comportamento para circular nesses espaços. Mesmo quando há interesse ou curiosidade, outro ponto mencionado foi a falta de tempo de lazer para visitar um museu, pois, na maioria das vezes, a rotina de trabalho informal não deixa disponível muitos períodos de descanso. Por isso, é importante o museu convidar e estar preparado para receber públicos diversos. Isso porque, se na portaria esse visitante for mal recebido, dificilmente vai voltar. E aí, a tendência é a experiência ruim não ser associada apenas àquela instituição, mas também a todos os outros museus. Alguns participantes relataram processos colaborativos para planejamento de projetos e programas. Também foram mencionadas as pesquisas de satisfação, que são preenchidas após as visitas, e podem revelar oportunidades para pequenas mudanças com grande impacto - por exemplo, não exagerar no tratamento amistoso e simpático. Esta foi a sugestão de um público minoritário que visitou uma instituição. Você imaginaria este tipo de retorno? Eu achei surpreendente. Este é um exemplo de melhoria que pode ser implementada sem nenhum custo adicional. Por isso precisamos seguir dialogando, perguntando e pesquisando o público para continuar melhorando e aumentando as chances de oferecer experiências positivas, que motivem a vontade de voltar aos museus em vez de reforçar o seu histórico excludente.
Melissa Cannabrava (@melmmcs): Parabéns pela pesquisa, Débora! Você pode comentar um pouco sobre a conexão dos Museus e projetos sociais dentro desses territórios vulnerabilizados?
Debora Menezes: @melmmcs obrigada! Os parceiros destes projetos sociais que atuam no território são fundamentais tanto para a ampliação do acesso aos novos públicos como para a contextualização das visitas, o que aumenta as chances de oferecer uma experiência relevante. Eles podem então ajudar o museu a conhecer os interesses, preferências e linguagens destes públicos, entre outras questões, podendo fazer toda a diferença na abordagem da visita. Também foi apontado que, se as parcerias são firmadas entre instituições, elas têm mais chances de perdurar no longo prazo, pois as pessoas podem mudar ao longo do tempo, mas as instituições seguem atuando nas suas respectivas áreas. Esta continuidade é um fator fundamental para a construção de um legado nas comunidades, e promover mudanças estruturais nas perspectivas de vida, pelo menos, de uma parte dos que são beneficiados. Os participantes da pesquisa vislumbram que haveria potencial para fazer muito mais se houvesse meios disponíveis para ampliar sua atuação.
Renata Fontanetto (@renata_fontanetto): Oi, Débora, parabéns pela pesquisa! Muito orgulho de você! Pra quem deseja começar a estudar o tema, quais teóricos você indicaria?
Debora Menezes: O orgulho é recíproco, foi um desafio realizar a pesquisa em 2020! Dentro do tema dos estudos de público e inclusão em centros e museus de ciências, eu começaria pelas publicações dos pesquisadores do Museu de Astronomia e Ciências Afins - Mast de 2009 e 2015, além do material dos pesquisadores do Museu da Vida, publicado em 2020. Os estudos coordenados pela Louise Archer e Emily Dawson, mesmo realizados na Inglaterra, trazem reflexões importantes para qualquer instituição, inclusive o conceito de capital científico. A pesquisa de doutorado da Silvilene Morais na Unirio desenvolveu o tema da inclusão, diversidade e interculturalidade em museus. Paulo Freire não estava previsto nas minhas referências bibliográficas inicialmente por ser mais associado à educação. Mas como ele foi citado nas respostas, eu li ‘A Pedagogia do Oprimido’ e ‘A Pedagogia da Esperança’. Representou um resgate de raízes históricas de um Brasil dos anos 1970, muito mais vulnerável que o de hoje, mas não menos opressor com as minorias. Aliás, a pedagogia crítica é uma das bases do Modelo de Equidade e Inclusão para Centros e Museus de Ciências, publicado pela Emily Dawson em 2014. Os brasileiros ligados à educação normalmente o conhecem, e reconhecem seu valor. Penso que todo brasileiro deveria ler, no mínimo, pelo seu valor histórico e científico. Já sobre o tema da desigualdade social, de maneira geral, a abordagem teórica da pesquisa foi multidisciplinar e, assim, consegui encontrar elementos para analisar os relatos. As referências que citei foram importantes descobertas, entre elas, a socióloga Fabíola Zioni (2006) e o sociólogo Lindomar Boneti (2006), o professor de linguística e língua portuguesa Claudio Marcio do Carmo (2016) e da abordagem psicossocial organizada pela Bader Sawaia (1999). Não posso também deixar de recomendar o sociólogo francês Pierre Bourdieu. Ele tem fama de ser de difícil leitura, e é mesmo difícil até de sintetizar. A descrição da Dawson e do Boneti sobre o trabalho dele me ajudaram a persistir nas leituras, o que valeu a pena. Se ele estivesse vivo, eu gostaria de conhecer sua análise sobre os nossos desafios contemporâneos.