Por Melissa Cannabrava
Arte e ciência andam juntas quando o assunto é Zé Gotinha, que há mais de três décadas é a estrela das maiores campanhas de vacinação do Brasil. Darlan Rosa, artista mineiro e criador do personagem, se orgulha ao dizer que Zé é um símbolo da educação científica e destaca a sua importância na sociedade.
“É o personagem que mais tempo permanece no ar. Mesmo quando o Ministério da Saúde some com ele, os Estados continuam a usar. Ele veio com a importância de mudar o foco das campanhas de vacinação, que eram feitas só para os adultos e hoje também atingem as crianças”.
A experiência com campanhas de conscientização em um programa de TV infantil foi a principal razão de Darlan Rosa ter sido convidado para desenvolver o personagem. O artista gráfico destaca que, na época, ''as campanhas eram de terrorismo'' e que, assim como ele, os vacinadores não compartilhavam dessa ideia e apostavam na educação, pedindo uma representação menos agressiva. “Havia uma grande carência e dificuldade dos Estados de produzirem esses materiais. Muitas vezes, os Estados não tinham recursos suficientes, então, o Ministério da Saúde fazia os cartazes e folhetos e mandavam o fotolito para os Estados reproduzirem. Muitos não casavam com o perfil da região''.
O Zé Gotinha nasceu de um setor coeso de divulgação, educação e saúde dentro do Ministério da Saúde. O objetivo inicial era criar uma logomarca que pudesse timbrar os envelopes e que iria marcar a campanha de combate à poliomelite, doença que também é conhecida como paralisia infantil e atinge, na maior parte dos casos, as crianças. Segundo Darlan, a arte deveria trazer uma criança andando em cima de itens gráficos representando os anos em que o Brasil havia se comprometido em realizar uma ampla campanha de erradicação da doença. Essa criança acabou por se transformar no boneco Zé Gotinha, forma com a qual foi concebido originalmente.
"A gente queria chamar a atenção das crianças e colocar elas dentro do processo de comunicação. Ou seja, em vez do pai levar para vacinar, a criança poderia ter também a coparticipação de lembrar o pai, além de ir para a vacinação de bom grado", explica. A ideia era mitigar o medo da vacina. A campanha apostava em educar as crianças para que, quando elas fossem mães e pais, tivessem esse conhecimento e passassem aos próprios filhos.
A resistência do setor de comunicação foi grande. Criado em 1986, só em 1987 o personagem figurou como protagonista nos primeiros comerciais de tevê. "O Ministério, de cara, não aceitou o personagem. Achava que era muita fantasia para uma coisa tão séria. Quando criei o Zé, fiz de uma maneira muito simples, sem os detalhes das mãos e pés. Queria que esses vacinadores e qualquer outra pessoa fossem capazes de reproduzir o material de divulgação. Considero que o MS só aceitou a campanha graças aos vacinadores, que fizeram pressão dizendo que queriam o meu projeto, que ele podia ser lido em qualquer cultura".
Para entender o nível de popularidade do mascote, surgiu a ideia de criar um concurso para decidir o nome do personagem. “Foi uma espécie de negociação. Eu falei: ‘Vamos fazer um concurso para calcular a capacidade de mobilização que o personagem tem. Se a gente ver que ele não serve para campanha, a gente abandona'. No total, mais de 10 milhões de sugestões surgiram, e Zé Gotinha foi o mais recorrente. “A gente teve que sortear uma das crianças que mandou nome. Não dava para premiar todas!”, relembra Darlan.
O artista gráfico se aposentou em 1994 e continuou trabalhando no Unicef até 2020, quando passou a se dediccar integralmente ao trabalho com esculturas. Atualmente, Darlan Rosa possui 58 obras públicas - localizadas em frente ao Memorial JK, à sede do Itamaraty e em museus de Brasília, entre outros espaços, além de 34 outras obras em 10 países. O criador segue trabalhando e produzindo arte, enquanto o 'filho' Zé Gotinha se mantém como o mais marcante rosto das campanhas de saúde do país.
Publicado em 10 de novembro de 2021.