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Por Melissa Cannabrava
 
A mestra em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde da Casa de Oswaldo Cruz Juliane Barros foi até o Piauí e, em seu estudo, fez um mix entre comportamento, natureza e tecnologia, correlacionando o discurso expositivo presente na exposição do Museu da Natureza e as leituras e apropriações construídas pelo público adulto em visita ao espaço. 
 
A mestra Juliane Barros defendeu a sua tese para a banca on-line. Créditos: reprodução
O Museu da Natureza aborda a temática das transformações do meio ambiente sob perspectiva das mudanças climáticas e traz diversos aspectos da Serra da Capivara, no Piauí, para dentro da exposição. A investigação do discurso expositivo e da interpretação do público adulto em visita a este espaço resultou na tese “Do Discurso ao desconhecido: Saberes e leituras em exposição no Museu da Natureza’, defendida em 29 de outubro de 2020.
 
Juliane relata que houve um interesse maior pelas salas que mesclam o uso da tecnologia com os artefatos biológicos e predileção por ambientes mais participativos, que traziam um apelo sensorial e imersivo. “Percebemos em nosso estudo a predileção do público adulto por ambientes que mesclam objetos reais com recursos tecnológicos, que trazem diversidade de materiais para uma mesma sala de exposição e assim conseguem envolver uma quantidade maior de visitantes”, revela.
 
Nesta edição do “Conta Aí, Mestre”, é a mestra Juliane Barros quem responde às perguntas enviadas pelos seguidores do Museu da Vida. Confira!
 
Renata Fontanetto (@renataftto): Oi, Juliane! Tudo bem? Fiquei curiosa para conhecer algumas diferenças (ou similaridades) entre os discursos do público e da curadoria.
Oi Renata! Na verdade, o que buscamos entender com esta pesquisa foi a correlação entre o discurso expositivo presente na exposição do Museu da Natureza e as leituras e apropriações construídas pelo público adulto em visita àquele espaço. Nesse sentido, os resultados da pesquisa mostraram que a mensagem principal que o Museu deseja comunicar é a de respeito à natureza, de que o homem como espécie é resultado da história, mas também é agente de continuidade desta história e que nossa permanência frente a próxima mudança climática dependerá de nossa atitude no tempo presente. Para comunicar esta mensagem, o museu se utilizada de uma narrativa que demonstra uma progressão sucessiva de acontecimentos que ocorreram no planeta e especificamente na região da Serra da Capivara ao longo do tempo geológico e histórico até os dias atuais sob a perspectiva das mudanças climáticas, trazendo ainda reflexões sobre a próxima transformação, dessa vez mediada pelas ações de destruição do homem sobre o ambiente.
 
O público visitante se mostrou receptivo a esta narrativa. Os discursos do público adulto sobre o Museu da Natureza e sobre a exposição de longa duração foram muito positivos e de maneira geral vão ao encontro do que foi proposto no discurso expositivo. As leituras do público apresentaram muitas reflexões sobre a ação do homem e algumas falas dos visitantes tratam do medo de que o planeta se torne árido e que falte água para todos, da consciência de que nós como seres humanos fazemos muito pouco para ajudar a preservar as outras espécies, de que o homem não consegue viver em harmonia com a fauna com a flora e que estamos em processo de autodestruição, dentre outras coisas. 
 
É claro, existiram algumas assimilações e interpretações de objetos que se deram em uma direção diferente da proposta, como por exemplo na Sala de exposição 2, chamada de Tectônica de placas. O visitante interpreta as bolinhas de isopor que existem nas paredes da sala da exposição como tendo a intenção de demonstrar a força dos ventos, enquanto no plano Museográfico a curadoria descreve que essas mesmas bolinhas tem o objetivo de representar a dinâmica de movimentação do manto fluído que movimenta as placas tectônicas. Além disso, algumas falas estão relacionadas ao não entendimento da narrativa de alguma das salas da exposição ou de elementos específicos da expografia. Isso demonstra a riqueza da multiplicidade de interpretações decorrentes de um mesmo aparato em exposição em museus de ciência que vale a pena ser estudado e compreendido para que melhor possamos comunicar os conteúdos científicos para a sociedade.
 
Aline Pessoa (alinepessoa2910): Oi Ju, mais uma vez, parabéns por sua defesa!!! Minha questão pra você é: como é a relação do Museu da Natureza com os públicos, no contexto da cibercultura? Abraços
Oi, Aline! Em se tratando de cibercultura e da interação com o público por meio digital, as ações do Museu da Natureza ainda começam a se desenvolver. Até este ponto não há a intenção de transformá-lo em um museu virtual e as redes sociais são apontadas pelas gestoras como a principal forma de divulgar e informar sobre o espaço. O Museu conta com uma pessoa responsável por operar as mídias sociais, como o Facebook e o Instagram, porém há ainda alguma resistência quanto a essa prática. Uma política do Museu é a de não divulgar conteúdo da exposição nas redes sociais. A estratégia utilizada é a de apenas compartilhar nas páginas do Museu o registro dos visitantes (em fotos ou vídeos), que eles possuem acesso quando marcadas com hashtag relacionadas, como #MuseudaNatureza #MUNA ou ainda com @museudanaturezapi. Os gestores acreditam que desta forma as pessoas sentem-se instigadas a conhecer o espaço e associam esta estratégia como um fator que contribuiu para que o Museu tenha alcançado um grande número de visitantes.
 
Renata Fontanetto (renata_fontanetto): Oi, Juliane, que trabalho lindo!! Quais resultados do seu trabalho você destacaria para os públicos do Museu da Vida? Você chegou a entrevistar a Niede Guidon?
Renata, antes de mais nada gostaria de esclarecer que a leitura que o visitante faz de uma determinada exposição parte inicialmente e especificamente da exposição que ele observa e do discurso expositivo próprio que aquele ambiente traz. No contato com esse ambiente expositivo, a bagagem cultural do visitante, suas experiências de vida e até mesmo o grupo em que esse visitante está inserido irão influenciar em sua leitura. 
 
O que posso destacar de contribuição para o Museu da Vida e para os museus inseridos no contemporâneo é a necessidade de equilíbrio no uso de recursos tecnológicos. Percebemos em nosso estudo a predileção do público adulto por ambientes que mesclam objetos reais com recursos tecnológicos, que trazem diversidade de materiais para uma mesma sala de exposição e assim conseguem envolver uma quantidade maior de visitantes. Destacamos também a imersão como um elemento muito importante para a fruição e que em nosso estudo este se apresentou como resultado da experiência estética e afetiva em conjunto, de forma que ambas devem ser estimuladas para que se alcance o estado de imersão do visitante.
 
Infelizmente, não conseguimos entrevistar a pesquisadora Niède Guidon, embora tenha havido tentativas nesse sentido. De toda forma, ela aparece como uma peça fundamental para a constituição do Museu da Natureza, tendo partido dela a ideia inicial de criação desse espaço. Posteriormente, com a participação de outros atores sociais, o discurso ganha novas características e se desenvolve de forma própria. Mas, sem dúvida, a doutora Niède foi fundamental para a existência do Museu da Natureza.
 
Melissa Cannabrava (melmmcs): Oi, Juliane! Amei o tema da sua pesquisa. Parabéns! Minha pergunta é: Durante a decupagem dos áudios você conseguiu perceber quais espaços traziam mais interesse ao público, que são as salas envolvendo tecnologia. Por qual motivo você entende que o público teve esse sentimento por determinados espaços?
Então, Melissa, acreditamos que isso se deve ao caráter imersivo das salas possibilitado pela interação com recursos de alta tecnologia. Vale destacar que a sala onde houve maior número de verbalização é composta não só por aparatos tecnológicos, mas por um conjunto diversificado de recursos, como fósseis, cenarização composta pela projeção de ondas do mar quebrando, projeção de seres aquáticos pré-histórico, além do som ambiente e textos informativos. Acreditamos que essa diversidade de recursos agradou ainda mais do que os recursos tecnológicos sozinhos, pois envolveu um maior número de indivíduos em suas demandas diferentes e todos esses elementos em conjunto permitiram que houvesse uma imersão em três níveis (emocional, energética e lógica).
 
Gi Pontes: Parabéns pra essa mestra super humana , esforçada e talentosa, Juliane Barros! sou fã!!!!!!! Conta aí mestra: Qual foi o maior desafio dessa pesquisa ?!
Gi Pontes, os maiores desafios para realização dessa pesquisa foram logísticos e financeiros. Eu não conhecia praticamente nada do lugar quando o selecionei como meu objeto de estudo, então foram necessárias muitas pesquisas na internet e planejamento para conseguir colocar essas idas a campo em prática. Vale ressaltar que fora a bolsa de mestrado, que funciona como um salário de R$ 1.500 mensais, eu não tive nenhum outro tipo de apoio financeiro para arcar com os gastos de passagem, hospedagem, alimentação, etc. Então eu apliquei meu próprio salário de volta na minha pesquisa, tamanha era a minha vontade de realizá-la. Economizar, planejar e parcelar foram as palavras de ordem.
 
Quanto à logística, chegar ao Museu da Natureza se mostrou um desafio e tanto! O percurso que eu fiz envolve pegar um avião do Rio de Janeiro até Teresina (aproximadamente 5-8 horas de viagem) e depois um ônibus de Teresina até o município de Coronel José Dias ou São Raimundo Nonato (8-10 horas de viagem). Na minha primeira viagem fiquei hospedada no Centro de Estudos da Universidade Federal do Vale do São Francisco, mas fica muito distante do Museu. Na segunda viagem já procurei um lugar mais próximo, o que ocasionou gastos com hospedagem.
 
Mesmo com todo o planejamento algumas situações saíram do controle, como por exemplo, a cidade não possui transporte público circulando. Então, eu e uma colega do mestrado que me ajudou nessa empreitada, alugamos duas bicicletas para ir e voltar do Museu todos os dias. Nos pareceu uma boa solução. Mas o Museu só abre na parte da tarde, então 40 minutos pedalando, subindo uma ladeira, em baixo de um sol de meio-dia se mostrou o maior desafio de todos!! Os moradores locais achavam graça, nenhum deles anda de bicicleta a essa hora. Nos apelidaram de “as meninas das bicicletinhas”.
 
Fernando Alves: Parabéns pela pesquisa, Ju Barros! Para você quanto pesquisadora, qual foi a descoberta mais relevante durante a pesquisa? Aquele momento, realização que não estava dentro das hipóteses, porém fez toda diferença durante as análises do espaço do Museu da Natureza?
Oi Fernando, interessante sua pergunta. Acho que essa pesquisa, por focar em um processo bem amplo (concepção da exposição, exposição em si e leitura do público), me deixou surpresa em vários momentos. O primeiro deles foi quando eu pude perceber pela primeira vez o quanto o discurso expositivo se transformava a partir da participação de diferentes pessoas no projeto. Isso já está descrito na literatura, mas perceber na prática como a cultura e vivência de cada pessoa transforma aquela mensagem expositiva inicialmente pensada foi muito interessante. Um segundo momento que me surpreendeu foi quanto às leituras riquíssimas do público, o quanto eles interagiram em nível mental com os objetos, como um mesmo objeto pode despertar tão diversas leituras nos visitantes. Entender como funciona a sensação de imersão em nível cognitivo também foi algo que eu não esperava poder descrever, e é algo muito interessante! Um terceiro aspecto não tão positivo é a falta de integração do Museu para com as comunidades do entorno. O Museu traz tantos aspectos da Serra da Capivara para dentro da exposição que eu esperava uma integração maior com a população local, o que infelizmente não foi visto. Mas o espaço é ainda muito recente e algumas iniciativas têm sido feitas nesse sentido. Acho que em breve teremos uma participação maior da população local dentro do Museu da Natureza.
 
Juliane Custódio: Oi, Ju! Parabéns pelo trabalho lindo! Você acredita que encontraria no geral um olhar diferente dos visitantes se estudasse um museu dessa temática em outras regiões do Brasil?
Juliane Custódio, essa resposta envolve dois aspectos. Primeiramente eu pude perceber que o público visitante do Museu da Natureza é em grande parte composto por turistas, seja de dentro do próprio estado do Piauí ou de outros estados do Brasil. Isso quer dizer que embora nossa amostra fosse pequena (16 visitantes), foi possível observar a leitura de um público bastante variado, com experiências e culturas próprias e que de certa forma fizeram leituras com aspectos similares. Dessa forma, acredito que se pudéssemos reproduzir o Museu da Natureza da forma como ele é, em outro local, poderíamos sim ter respostas com similitudes entre si. Porém, aqui entra um segundo aspecto, o do discurso expositivo. Tendo em vista que o público visitante reage ao que observa e vivência, um museu em outra região do Brasil, mesmo que com temática parecida, apresentaria um discurso expositivo próprio. Isso porque cada Museu está situado em um contexto, e assimila aquele contexto para dentro da exposição. O Museu da Natureza tem um discurso próprio pois faz parte de um complexo patrimonial, que envolve a Serra da Capivara e demais museus da região e traz muitos desses aspectos para dentro da exposição. Além disso, os aspectos culturais locais se misturam aos aspectos culturais dos próprios curadores e profissionais que pensaram a exposição. Dessa forma, dificilmente isso poderia ser reproduzido tal como é em outro lugar do país ou do mundo e o público visitante reage a isso. Então apesar de hoje vivermos em um mundo globalizado, com pessoas que visitam museus no mundo todo, a leitura para cada lugar será diferente porque o discurso expositivo é próprio para cada museu e exposição e isso impacta na leitura dos visitantes.
 
Publicado em 22 de abril de 2021.
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