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Por Melissa Cannabrava

“O racismo no Brasil é velado e está enraizado nas instituições públicas e relações interpessoais. Em meu processo de trabalho, não experimentei situações de injúria racial, mas, sim, muitas atitudes preconceituosas, que denotam as diferentes formas de discriminação” - Luanda Café, assistente social na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.

Elas estão na linha de frente do combate à Covid-19, exercendo um papel fundamental durante a pandemia. As profissionais de saúde enfrentam uma guerra diária e se arriscam no enfrentamento do vírus que já causou mais de 191 mil mortes ao longo de 2020. Diante de todo esse cenário devastador, o racismo estrutural desafia, ofende, intrinca e afeta de forma profunda as mulheres negras que exercem profissões na área da saúde pública do país.

Em parceria com a Fiocruz Minas e a Rede Covid-19 Humanidades, a Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Easp/FGV), divulgou, por meio da Agência Bori, um estudo que elucida a situação de mulheres negras que atuam na área da saúde durante a pandemia. Em comparação, a pesquisa destaca outro extremo: aquele em que homens brancos têm os menores índices de impacto. Os dados foram coletados entre 15 de setembro e 15 de outubro por meio de um questionário on-line respondido por médicos, profissionais de enfermagem e agentes de saúde.

Luanda Café, de 31 anos, é assistente social graduada pela Uerj. Atualmente, integra o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf), na Clínica da Família Fernando Antônio Braga Lopes, no Caju, um bairro da Zona Portuária do município do Rio de Janeiro. O debate sobre o racismo estrutural presente em nossa sociedade veio enquanto ainda estava na faculdade. “O curso de Serviço Social na Uerj tem características peculiares por ser uma graduação noturna, formada em sua maioria por alunos negros, trabalhadores e, predominantemente, mulheres. Neste espaço de formação, tive a oportunidade de conhecer coletivos de estudantes negros e aprofundar o debate sobre as questões raciais na educação”, relembra.

Luanda Café é assistente social e trabalha na Secretaria Municipal de Saúde do Rio. Créditos: acervo pessoal

Doutoranda em Saúde Coletiva pela Uerj e especialista em Saúde da Família pela Fiocruz, Luanda diz que, apesar de não ter sofrido racismo durante o período da faculdade, no dia a dia de trabalho a situação é diferente. Muitos pacientes, ao serem chamados para o atendimento, indagam se ela é realmente assistente social. “Me descrevem como ‘aquela menina escurinha, moreninha’. Algumas vezes fui confundida com a estagiária do serviço. Agora, enquanto pesquisadora debatendo as questões ético-raciais na saúde, é nítido o movimento de tentar descredibilizar a minha fala. Além disso, há a pouca adesão da academia ao tema, em especial pela incipiência de linhas de pesquisa sobre este campo e falta de professores negros”.

Emocional e condições de trabalho

A Covid pegou todo mundo de surpresa, inclusive quem estava na linha de frente. De acordo com a pesquisa, as mulheres negras foram as que mais declararam sensação de despreparo (58,7%) e ocorrência de assédio moral no trabalho (38%). Elas também sentiram medo (54%), desconfiança (28%) e tristeza (53%) em maior proporção do que outros grupos. Por outro lado, homens brancos que afirmaram sentir despreparo para lidar com a crise estão em 33,5%, enquanto aqueles que sofreram assédio moral, 25%.

“Todo o período pandêmico está sendo extremamente difícil para todos os profissionais de saúde. Tivemos uma ruptura abrupta das rotinas individuais e coletivas, o que gerou a necessidade de constante reorganização do processo de trabalho. As Unidades de Atenção Básica passaram a ser referência no primeiro atendimento aos pacientes sintomáticos respiratórios e, recentemente, receberam os testes-rápidos e exames RT-PCR, com aumento da demanda espontânea e exigência de cumprimento dos protocolos de segurança sanitária. Lidamos a todo tempo com o sentimento de insegurança em relação ao contágio e o medo de transmissão para os nossos familiares”, relata Luanda Café.

As mulheres negras, segundo o estudo, também são menos testadas para a Covid (26%) e têm menos suporte de supervisores (54%, contra 69% no grupo dos homens brancos). Luanda lembra que, no início de 2020, assim que foi decretada a pandemia, o novo vírus era desconhecido, o que dificultava o acesso a informações. Equipamentos de proteção individual e outros insumos necessários para o atendimento seguro estavam em falta nas unidades de saúde.

“Com o avanço das pesquisas e orientações do Ministério da Saúde e da Secretaria Municipal de Saúde, foi possível garantir os meios para a proteção de cada trabalhador. O Serviço Social teve um papel fundamental ao oferecer suporte aos profissionais por meio dos atendimentos individuais e organização de rede de apoio de saúde mental para equipes”, afirma.

No que diz respeito à saúde mental durante a crise sanitária, as mulheres (brancas e negras) se mostraram mais suscetíveis às emoções negativas do que os homens: 83% delas disseram que sua saúde mental foi impactada durante a pandemia, frente a 69% deles.
“Sabemos o impacto da pandemia nas práticas e vivências de profissionais de saúde. No entanto, há poucos estudos que olham para as questões de gênero e raça dessas dinâmicas”, comenta Denise Pimenta, pesquisadora da Fiocruz e uma das responsáveis pela pesquisa.

No tocante ao acesso a serviços do SUS, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) também destaca o fato de que pessoas negras são as que mais deixam de realizar atividades habituais por motivos de saúde. Em relação à população branca, estas pessoas costumam consultar menos médicos e dentistas e encontram mais dificuldade para obter medicamentos receitados em consultas.

Para Luanda, a precarização dos serviços públicos de saúde afeta em cheio a população negra. “A cidade do Rio do Janeiro reflete a ausência de ações efetivas para a equidade racial na assistência à saúde, como a construção de metas prioritárias pelas secretarias municipais. Uma das questões cruciais no debate sobre a invisibilidade da população negra está na negação da humanidade do outro, o que legitima a perpetração de inúmeras violências. As reformas nacionais da Política Nacional de Atenção Básica, que desempenha o papel do primeiro nível de assistência à saúde, foram de restrição ao acesso, queda da qualidade dos serviços, precarização do setor público e, consequentemente, de adesão ao setor privado de saúde”. 

Publicado em 30/12/2020

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