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Por Melissa Cannabrava


O novo coronavírus presente em diversos países está causando grandes transformações. O impacto da pandemia na saúde mental das pessoas preocupa, e as medidas para ficar em casa podem gerar complicações para grupos particularmente vulneráveis. Em maio, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), já alertava para a importância da saúde mental.

“A pandemia da Covid-19 está nos lembrando, mais uma vez, que a saúde mental é tão importante quanto a saúde física. À medida que os impactos econômicos e sociais da pandemia se expandem, podemos esperar um aumento nas condições de saúde mental, como depressão, ansiedade e transtornos por uso de substâncias”, disse em vídeo publicado nas redes sociais da ONU Brasil. Ele também comentou que “é uma oportunidade para criar serviços de saúde mental adequados para o futuro: inclusivos, baseados na comunidade e acessíveis. Porque, em última análise, não há saúde sem saúde mental”. 

Segundo dados do Painel de Monitoramento Covid-19 do Ministério da Saúde, o primeiro caso confirmado no Brasil foi divulgado pela Secretaria de Vigilância em Saúde no dia 26 de fevereiro de 2020 e, desde então, mais de 2,5 milhões de pessoas já foram contaminadas pelo vírus, enquanto 90.134 faleceram. No Boletim Epidemiológico Especial do Ministério, o Brasil segue em segundo lugar na lista de países com maior taxa de contaminação, logo abaixo dos EUA.

Os números assustam, e a psicóloga clínica e psicanalista Vanessa Medeiros explica que uma epidemia de grande magnitude implica perturbação psicossocial, quando a população sofre tensões e angústias. “Estamos lidando com uma situação completamente nova e inesperada. A rotina mudou repentinamente. Então, é natural causar um desconforto que pode influenciar no nosso emocional e nosso psiquismo. Estamos tendo que lidar com o novo, com o não programado, e depende de como isso é sentido por todas as pessoas. É possível que surjam ou se acentuem ansiedades ou outros tipos de transtornos emocionais”, explica.

De acordo com o primeiro Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas Favelas, esta doença é mais letal nos homens do que nas mulheres, e o maior percentual de óbitos - 19,5% - se encontra na população negra, moradora de territórios periféricos. Nestas localidades, a cada 100 pessoas que adoecem por Covid-19, quase 20 morrem. O tratamento de transtornos mentais para quem vive em favelas, por meio de acompanhamento psicológico, ainda é um tabu, visto que para muitos moradores isso é considerado um luxo ou atendimento obrigatório apenas para os ditos “loucos”.   

Vanessa Medeiros é psicóloga. Foto: acervo pessoal

“O que acontece é a naturalização do sofrimento. Essa é uma realidade muito forte nas comunidades. A gente sabe que as políticas públicas não alcançam ou, na maioria das vezes, são ineficazes para muitas famílias. Entendemos que isso influencia muito na questão da mente sã. Não é fácil falar de questões como saúde mental sem considerar o impacto na situação financeira e outras preocupações com o futuro que esses grupos já absorvem. Isso causa, inclusive, aumento do impacto no emocional porque pode trazer essa sensação de abandono. Daí a gente tem que fazer o que chamamos de psicoeducação. Ou seja, mostrar a realidade, falar dela e dos riscos ao não tomar esses cuidados. É sempre bom destacar que a realidade estrutural não exclui a ameaça do vírus e frisar a importância do cuidado consigo e com a família”, completa a psicóloga, que cresceu em uma comunidade no bairro da Federação, na Bahia.

Mãe de cinco filhos, moradora do Complexo do Alemão

Vilma Ribeiro, moradora da Fazendinha, no Complexo do Alemão, vive em um quarto e sala e relata que não é fácil viver com tantas pessoas no mesmo lugar. “Logo no início, foi muito assustador. O medo, a agonia de não saber o que realmente estava acontecendo, foi terrível. No entanto, eu, meu marido e as crianças ficamos aliviados de saber que estaríamos todos juntos dentro de casa", relembra.

Ela recorda que a primeira semana foi de adaptação. Não havia regras com horários e, ao mesmo tempo, não podiam sair de casa. O sentimento deles era a descrença em relação à seriedade da situação, quando os casos foram aumentando. Com o passar do tempo, se adaptaram no pequeno espaço, com as tarefas domésticas e com muitos lanches e refeições noturnas. O horário estava invertido: dormiam a manhã inteira e passavam a noite vendo filmes e séries.

"Essa sensação de férias foi acabando quando a despensa foi ficando vazia e a geladeira só tinha água e gelo. O gás acabou, as contas não pararam de chegar. Pronto! O tormento de ter que trabalhar e correr o risco não foi maior do que a vontade de suprir as necessidades primárias. Assim, meu marido voltou a trabalhar, tomando todos os cuidados, usando máscara e álcool gel, para tentar conseguir o nosso pão de cada dia", conta.

A aflição de não ter o que comer foi amenizada pelas doações de cestas básicas e pelo auxílio emergencial do governo, utilizado para pagar contas e comprar alimentos. "Tenho dias de luta com bagunça de criança e estresse com o marido. Não poder ver entes queridos e amigos dá uma tristeza. Isso tudo que estamos vivendo em 2020 vai ficar na minha cabeça por muito tempo."

Humanidade e acesso à informação

Para a jornalista e pesquisadora Thaís Cavalcante, que está produzindo uma análise sobre a saúde mental dos moradores do Complexo da Maré, é necessária uma comunicação mais elucidada sobre o tema nas periferias do país.

“Descobrir como funciona a dinâmica silenciosa das questões sobre saúde mental nas favelas me deixa bem surpresa. É uma problemática que precisa de muitos avanços e de direitos conquistados. Aqui, a falta de informação e até de diálogo sobre transtornos mentais ainda é grande. Se não entendermos o cenário que sempre existiu e como ele tem se agravado nesse período de quarentena, não conseguiremos dar mais atenção para o que realmente importa: os diagnósticos e tratamentos”, alerta.

Segundo ela, não está sendo fácil encontrar notícias e referências que trazem a saúde mental da periferia como protagonista. “Nunca li sobre morador de favela ter problema de saúde mental. A pessoa não tem informações sobre o assunto. A naturalização existe”, denuncia. Para a jornalista, as pessoas são adaptáveis, e muitas estão doentes mentalmente e não sabem. “A expressão ‘novo normal’ é uma forma de falar que é a nossa nova rotina. O termo veio para reforçar e confortar a gente para se adaptar, inclusive arrumando formas de se ajustar a ela”. 

Como forma de deter a explosão do vírus em territórios de vulnerabilidade social, uma mobilização criada por moradores e representantes locais se fez perceber ainda mais forte nas favelas cariocas. “Na favela, sempre existiu a solidariedade, e a pandemia chegou fortalecendo ainda mais a humanidade dos moradores. É a consciência de que estar em comunidade é isso: é apoiar a pessoa quando precisa, independentemente da forma de compartilhamento. As pessoas se ajudam com comida, na hora da doença, e ao dividir um balde d’água. A gente só entende a importância de doar quando a gente já sentiu falta. Só assim é possível entender o que o outro está passando”, declara.

E os profissionais de atenção à saúde mental?

Mariana Schroeter, enfermeira da rede de saúde mental de Petrópolis, no Capsi Sylvia Orthof, expõe como tem feito para equilibrar a mente em relação aos pesares que a profissão traz durante a pandemia:

“Um das minhas principais buscas de equilíbrio é aceitar dias em que não estou bem. É entender que o medo faz parte, que a saudade aperta e que a vontade de abraçar e encostar nas pessoas faz muita falta, de verdade. Eu tento não esconder esse sentimento de mim. Muitas vezes, compartilho essa angústia com pessoas que fazem parte da minha rotina e que tenho uma maior proximidade, tanto no trabalho quanto com amigos de maneira virtual. Tenho mantido, semanalmente, um atendimento com psicóloga, que não abro mão. Foi um dos principais suportes que eu tive para me manter melhor. “Bem” acho que é um adjetivo muito difícil. Ainda é difícil falar que estou bem. Bem mesmo eu vou estar quando tivermos a vacina, quando essa enfermidade passar para todo mundo e quando não tivermos mais essa quantidade de mortes que temos. Além disso, não me atualizo 24h por dia. Desconectar tem sido algo positivo, assim como me afirmar com minha religiosidade”.

Já Elaiô Vavío, que atua como redutora de danos pela rede pública de Niterói e é terapeuta holística, afirma que uma boa conversa é fundamental para não "pirar" durante o isolamento social. A profissional é mulher trans, negra e moradora do Morro do Palácio.

“A gente que lida com saúde mental trabalha com apostas, desejos e investimentos. Isso quer dizer que a saúde mental é uma construção: você cria uma possibilidade a partir do desejo da pessoa que acessa o serviço de saúde e do profissional que presta o atendimento. Além de tudo, é um trabalho de troca, no sentido que a gente acredita que a pessoa possa se dar conta da necessidade de cuidar de si. Fazemos apostas para que a pessoa desenvolva consciência própria de cuidado e, por si só, procure caminhos para tratar o que pode estar causando incômodos em sua vida", explica Elaiô, que também é ativista pelo movimento Todes Pelas Travas, cantora, compositora e poetisa, tendo atuado como compositora do rap "Liberdade, Vida e Amor", no projeto Rap e Ciência. O clipe da música fala justamente sobre saúde mental.

Quanto à sua experiência pessoal, como mulher trans, negra e periférica, Elaiô relata que ela e outras mulheres não acreditam que é possível ficar sã. Apostam, no entanto, que em alguns momentos conseguirão relaxar, o que faz parte da produção de saúde mental. "Como isso acontece? Com a cervejinha na porta de casa, pegando um sol com as amigas, ouvindo uma música, gravando um vídeo. Ter uma conversa durante o trabalho também é sempre bom. A fala e a escuta estão sempre entrando como a maior tecnologia de cuidado. É muito de cada uma. Para outras, essa produção acontece através da vaidade, fazendo a unha, sobrancelha, indo à praia, dormindo...", pontua.  

E você? Como tem cuidado da mente e buscado equilíbrio psíquico? Envie seu relato para o e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. e compartilhe conosco suas vivências.

Publicado em 31 de julho de 2020.

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