Por Melissa Cannabrava
Na última semana, estudos iniciados por pesquisadores da Fiocruz, em parceria com a prefeitura de Niterói, apontaram a presença de material genético do novo coronavírus (Sars-CoV-2) em amostras do sistema de esgoto da cidade. Há pesquisas recentes que mostram que o novo vírus é excretado nas fezes. O projeto utiliza a análise de amostras de esgoto como um instrumento de vigilância dos casos de Covid-19.
Cientistas de diferentes países buscam a origem da epidemia, uma vacina e remédios que atuem no tratamento da doença. Uma das medidas mais eficazes de prevenção, enquanto um tratamento eficiente ainda é investigado, é a lavagem das mãos, que requer oferta de água para a população e saneamento básico adequado. Ou seja, assuntos que envolvem recursos ambientais e sanitários. De acordo com a jornalista e ambientalista Beatriz Diniz, falar sobre a relação entre o novo coronavírus e o meio ambiente é necessário. “O coronavírus é novo, tudo está sendo pesquisado agora. Mas o que podemos fazer é a relação entre meio ambiente e saúde. É preciso lembrar que ambiente é o lugar em que a gente vive. Todos nós dependemos da natureza para viver", pontua.
Para a ambientalista, pensando nesse olhar entre prevenção e meio ambiente, vale fazer uma comparação com as doenças que podem iniciar por conta da poluição decorrente de ação humana. “A poluição do ar mata 7 milhões de pessoas por ano no mundo. Veículos poluem o ar com partículas finas de carbono, enxofre, nitrogênio, substâncias que entram pelo nosso corpo quando respiramos. No lugar das árvores, que produzem e nos dão oxigênio de graça, cimentamos e lançamos poluentes que nos adoecem e nos matam", alerta. Saindo da preocupação com o ar e indo para as águas, a gestão e preservação de recursos hídricos é fundamental para garantir o direito à água, item da natureza tão indispensável que nos ajuda no combate ao novo coronavírus.
“Aqui no Rio, a crise hídrica do início de 2020 revelou a extrema poluição dos rios e mostrou que a natureza não tem fronteiras, pois rios seguem por várias cidades, cruzam estados, são margeados por moradias e empreendimentos comerciais, industriais, agropecuários. A água que chega às torneiras precisa de tratamento extremo, porque é captada de rios extremamente poluídos por esgotos, resíduos de indústria, lixos domésticos, móveis, eletroeletrônicos, objetos que compramos e jogamos fora sem nem perceber que fora é o ambiente em que vivemos”, completa Beatriz.
A estratégia tomada para evitar novos contágios é o aumento de cuidados com a higiene, mas nem toda a população tem condições de seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Um exemplo disso são os moradores de favelas e regiões periféricas que ficam sem abastecimento de água e não contam com saneamento básico. A geógrafa e mestre em Dinâmicas dos Oceanos e da Terra Rejany Ferreira aponta que, apesar das estratégias relacionadas à higiene serem necessárias, para boa parte da população brasileira isso não parece uma solução de fácil acesso. “As pessoas estão dispostas a fazerem a higiene, mas a questão é que não têm as condições”. Integrante da Cooperação Social da Presidência da Fiocruz e do Observatório da Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha, Rejany realiza pesquisas em um dos principais poluidores da Baía de Guanabara, o Canal do Cunha, em Manguinhos, na zona Norte do Rio de Janeiro.
“Realizamos seminários para os moradores da região, onde falamos sobre o nível de poluição através do Conselho Comunitários de Manguinhos. O trabalho está sendo feito desde 2000. Durante um trabalho realizado com pescadores da Baía e também do canal sobre o nível de poluição da Baía de Guanabara, foi questionada a natalidade de peixes por conta da poluição. Aquilo me provocou no sentido de entender e pensar qual era o nível de poluição do rio e o que ela acarreta”.
A partir disso, Rejany iniciou uma pesquisa de mestrado para analisar a presença de atividade estrogênica e toxicidade no Canal do Cunha, bem como sua contribuição para a poluição da Baía de Guanabara. Os resultados da pesquisa mostram que todos os pontos analisados do canal possuem algum tipo de contaminação, o que demonstra o grau de degradação e contaminação do local, prejudicando a população do entorno.
Sob o ponto de vista do saneamento básico e ambiental, a geógrafa sugere a formulação de políticas públicas que viabilizem a descontaminação da sub-bacia do Canal, que está dentro da maior área de planejamento do município e deságua na Baía de Guanabara. “Os desreguladores endócrinos são substâncias que causam distúrbios na função hormonal e efeitos que causam prejuízo à saúde dos seres humanos e dos animais. Em mulheres, pode causar câncer de mama, e nos homens, infertilidade. Nos peixes, causa imposex (termo que descreve a modificação morfofisiológica sexual causada por poluentes tóxicos). Essas substâncias podem ser encontradas nas águas e nos sedimentos de fundo de rios e marés. Escolhi o sedimento pois nele podem ser encontradas substâncias que foram depositadas há anos atrás, mas o sedimento tem o registro da poluição", explica.
Rejany lembra que a responsabilidade é da prefeitura e que a população deve ficar atenta com as campanhas de saneamento. “Poucas pessoas sabem que a responsabilidade de saneamento básico é do município, é responsabilidade dos prefeitos. Prestem atenção se o candidato tem planos para a discussão ambiental, pensando em saneamento. Devemos nos preocupar com todos os seres."
Publicado em 30/4/2020