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Por Renata Fontanetto e Melissa Cannabrava

A moradora de Manguinhos Norma Maria tem cuidado do filho (na foto) e da neta de três anos. (Imagem: retirada do Facebook de Norma)

A tensão ao sair de casa começou no fim de 2019, quando ouviu pela primeira vez sobre o novo coronavírus. A psicopedagoga Norma Maria, moradora de Manguinhos, coordena o “Projeto Marias: Como posso ajudar meu filho especial”, que presta ajuda a famílias de crianças com deficiência. De meados de março de 2020 para cá, Norma tem se dividido em muitas: na gestão da casa, no cuidado do filho e da neta e no apoio às mães do projeto.
 
O filho Kevyn, de 22 anos, tem paralisia cerebral severa e faz parte dos mais de 45 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência, segundo o Censo Demográfico do IBGE de 2010. São pessoas com dificuldade de locomoção, outras que precisam de cuidador diariamente, que dependem do contato físico para compreender alguma comunicação, como os surdocegos, entre outras necessidades. A chegada de um novo vírus e as informações divulgadas para estes cidadãos mudam a dinâmica familiar.
 
Além do filho, Norma cuida da neta de três anos que, quando tem febre, apresenta crises convulsivas. O cuidado não para aí: ela mesma tem bronquite e pressão alta, ou seja, está dentro do grupo de risco. A filha, mãe da pequena, trabalha no setor da saúde e está evitando o contato para não causar uma possível transmissão. “Eu já estava sendo avisada desde dezembro sobre a circulação do vírus. No carnaval, eu já disse para as minhas amigas: não quero sair para bloco. Eu e as outras mães do projeto sempre levamos nossos filhos para passear”, conta. Com as medidas oficiais das autoridades públicas de saúde em prol do distanciamento social, ela optou por ficar em casa de vez. 

“Não deixei nem parente entrar na minha casa. Avisei: ‘gente, não é nada pessoal, mas cada um tem que cuidar da sua saúde da melhor maneira’”, relembra.

Na porta de casa, localizada perto da UPA de Manguinhos, ela colocou uma placa: “Fiquem em casa, mantenham-se em isolamento”. Alguns amigos, de início, não entenderam a preocupação e ficaram magoados. Mas, segundo ela, todos estão cumprindo de forma mais adequada a quarentena atualmente. “Minha vontade é de pegar uma caixa de som e sair às ruas conscientizando as pessoas”, declara.
 
Mesmo que não esteja fisicamente presente, Norma tem mantido o contato com as mães do Projeto Marias para informá-las sobre aspectos de higiene e contaminação, evitando que elas entrem em contato com o vírus e o transmitam para os filhos com deficiência. Segundo ela, as mães saem de casa porque muitas precisam pagar contas, ir ao supermercado e realizar outras atividades essenciais.
 
“Não é só a questão de limpar a cadeira de rodas caso o(a) filho(a) use. Ela mesma precisa lavar as mãos, tira a roupa, colocar para lavar, deixar o sapato em local estratégico ou colocá-lo numa bolsa no alto para que as crianças não mexam nele. Além disso, estou orientando a lavar o dinheiro, moedas e cédulas, em um balde com água e sabão. Precisa tomar banho, lavar cabelo, andar de máscara, não importa se vai a cinco ou a 100 metros de casa”, descreve.

As orientações estão seguindo pelo WhatsApp, e todas as mães se ajudam. "A bagagem delas é rica e me alimenta. A gente troca muito e elas me ensinam também". Após o período da quarentena, Norma espera que a conscientização em relação à limpeza continue porque o vírus seguirá circulando.
 
O novo coronavírus e a comunidade surda

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são mais de 9,37 milhões de brasileiros com deficiência auditiva. A dificuldade de acesso à cultura, entretenimento e lazer são alguns obstáculos. Mas e quando o assunto é uma pandemia? Para a coordenadora da Associação de Reabilitação e Pesquisa Fonoaudiológica, Helena Dale, a comunicação para pessoas surdas melhorou nos últimos tempos.

“O que posso dizer é que nunca tivemos tanto acesso quanto agora. Nunca os surdos, em especial, puderam participar em tempo real das informações! A legenda na TV, intérprete de libras nos eventos oficiais... isso tudo vem contribuindo para que eles mantenham-se informados”, conta a fonoaudióloga. Os atendimentos a pessoas sem deficiência e às pessoas surdas, antes feitos presencialmente, foram adaptados. “Tivemos que organizar junto à equipe esse trabalho, elaborar um planejamento, material etc. Vem sendo um desafio, mas com alguns resultados que estão nos surpreendendo.”

No Brasil, temos duas línguas reconhecidas por lei: a oficial, que é a língua portuguesa, e a Língua Brasileira de Sinais, reconhecida em 2002 pela Lei 10.436 e regulamentada por decreto em 2005. Para o professor de Libras Gabriel Sampaio Veríssimo, de 21 anos, por ser muito visual, a Língua de Sinais deixa a pessoa exposta e, ao mesmo tempo, limitada quando o assunto é a doença Covid-19. “Alguns movimentos são muito próximos da boca. Então, falar para um surdo que ele deve ter cuidado com essa parte do corpo tão importante é muito novo. Às vezes, saem gotículas e isso é normal. A gente nunca parou para pensar nisso, pois, para a comunidade surda, essas gotículas são realmente invisíveis”.

Foi numa instituição religiosa que Gabriel teve contato com a comunidade surda. Aos 19 anos, foi tradutor de Libras da Fiocruz e fazia o acompanhamento de cerca de 120 colaboradores ligados à empresa Centro de Vida Independente (CVI). Atualmente, Gabriel trabalha na TV INES - do Instituto Nacional de Educação de Surdos - uma web TV cuja programação conta com conteúdos acessíveis. Os apresentadores são surdos e o telejornal é feito em Libras, assim como todos os programas, desenhos e demais atrações. Na tela de quem assiste, a legenda é também um recurso disponível.

“Estamos batalhando para levar todo o conteúdo para as pessoas surdas. Por ser uma web TV com materiais limitados, às vezes a gente não consegue cobrir tudo, mas fazemos o máximo para levar informações sobre a pandemia para a comunidade surda. Há pessoas privadas de informação por anos. Elas acabam aprendendo e tendo uma experiência totalmente visual. Então, falar sobre um novo coronavírus é bem complexo. As informações podem ser interpretadas de diversas formas. A gente recebe relatos de surdos que vão a hospitais e não são atendidos corretamente. Existe uma barreira linguística que precisamos ultrapassar, fazendo com que se adeque a outra língua, a Libras, e com o cuidado de levar o mesmo sentido, significado e informação.”

Publicado em 24/4/2020

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