Por Renata Fontanetto
Na mão, papel e lápis de cor. Na cabeça, uma pergunta: como vocês desenhariam um cientista? Karoline Aguiar, 15 anos, pensou no físico alemão Albert Einstein e o desenhou de cabelo em pé. Maria Eduarda Marques, 16 anos, representou uma mulher de jaleco e cabelos cacheados, porque, segundo ela, "são muitos os estereótipos que as mulheres precisam quebrar".
O desenho fez parte da recepção de duas jovens selecionadas no edital da Fiocruz "Meninas na ciência", que recebeu inscrições de alunas do ensino médio, de escolas públicas do Rio de Janeiro, interessadas em passar dois dias na Fiocruz acompanhadas de pesquisadoras. No primeiro dia de atividades (10/2), o Museu da Vida conheceu duas dessas jovens, que foram acolhidas pelo Núcleo de Estudos da Divulgação Científica (NEDC) e conversaram com profissionais de diferentes áreas do Museu. A ação faz parte da comemoração pelo Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência (11/2). Na Fiocruz, as atividades do Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência foram concebidas por um grupo de trabalho coordenado por Cristina Araripe Ferreira e integrado por Maria Inês Rodrigues, Érika Farias, Ana Carolina Gonzalez, Rosicler da Silva Neves, Hilda da Silva Gomes, Cristiane Nogueira Braga Percini e Letícia Batista da Silva.
"Por não ter tanto contato com as mulheres, pensei em desenhar o Einstein porque foi a primeira pessoa em que pensei", justificou Karoline, estudante do Colégio Pedro II. Quando questionada sobre qual pesquisadora teria desenhado, a jovem mencionou a química brasileira Joana D'Arc Félix, professora e pesquisadora numa escola técnica em Franca, no interior de São Paulo, e ganhadora de inúmeros prêmios.
A jovem cientista de cabelos cacheados desenhada por Maria Eduarda, aluna do ensino médio técnico em química do Instituto Federal do Rio de Janeiro, foi representada com itens que costumam ser associados à figura do cientista, como óculos, jaleco e a estrutura de uma célula. Essa representação rendeu uma reflexão para a jovem, que acredita que o cientista precisa estar aberto a todo tipo de ciência, como as ciências sociais. Karoline concorda e enxerga nas ciências humanas e sociais uma oportunidade para que os cientistas pensem fora da caixa. "Mas é uma área muito desvalorizada, assim como a filosofia", opinou.
A pesquisadora Marina Ramalho, coordenadora do NEDC, explicou às jovens que os desenhos que fizeram compõem a metodologia de uma pesquisa iniciada nos anos 1960, na América do Norte, que tinha por objetivo saber como crianças percebem a imagem do cientista. Conhecido como "Draw-a-scientist Test" (em inglês), a pesquisa já foi conduzida por outros países desde então. O estereótipo do cientista emerge dos desenhos como um homem branco, de jaleco, que manuseia tubos de ensaio, pipetas e outros itens de laboratório.
"Atualmente, mais meninas desenham meninas, mas a maioria dos desenhos ainda traz apenas homens como cientistas. No entanto, ter mais mulheres sendo representadas já é um alento", destacou Marina.
Relação com a divulgação científica
A divulgação científica (DC) já foi uma preocupação para Karoline Aguiar, que apresentou atividades sobre bioeconomia e a importância da polinização de abelhas junto com colegas da escola, em 2019, no Museu Espaço Ciência Viva, na Tijuca. No entanto, ela considera que o público com o qual conversou era formado por pessoas mais privilegiadas em relação ao acesso à informação científica. "É diferente ir para a Tijuca, estando dentro de um museu de ciência, e ir para Bangu, Campo Grande ou Realengo", afirmou. Segundo o Guia dos Museus Brasileiros, dos três bairros citados pela jovem, apenas Bangu possui um museu.
No dia a dia, o NEDC se envolve em pesquisas que buscam compreender como as pessoas se relacionam com a ciência para depois pensar a aproximação entre ciência e sociedade em atividades práticas. Os produtos pensados pelo Núcleo buscam o diálogo com diferentes públicos, não a mera transmissão de informação. "Eu trabalho com um conceito amplo de DC: qualquer iniciativa ou ação que tenha o intuito de fortalecer os laços entre ciência e sociedade para que as pessoas se sintam mais próximas da ciência e se apropriem dela. Como os indivíduos podem se sentir mais cidadãos por meio da ciência?", explicou a pesquisadora do NEDC Carla Almeida, ressaltando a importância da cidadania e da defesa da democracia em atividades de divulgação científica.
Para as jovens estudantes que pensam em seguir na ciência - sem esquecer da divulgação científica! -, Marina elencou oportunidades de atuação: jogos, livros, podcasts, exposições, eventos, “contação” de histórias, festivais de ciência, cafés científicos em bares, entre outras opções. "O bom é ter diversidade na DC", ressaltou Carla.
No horizonte, astronomia, química e museologia
Além da conversa com o NEDC, as jovens estiveram com profissionais que atuam em áreas com as quais flertam. Maria Eduarda é visitante assídua do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) e já considerou cursar astronomia. Durante a visita, ouviu da pesquisadora Rosicler Neves - física e astrônoma que migrou para a divulgação científica -, sobre os anos de graduação e quais situações presenciou à época por ser uma mulher fazendo ciência. Já o físico Paulo Colonese, coordenador da equipe do Planetário Digital que viaja com o museu itinerante Ciência Móvel, compartilhou com a estudante sua paixão pela astronomia, sem esconder a realidade de trabalho e organização necessários quando se coordena uma turma de planetaristas que atua no atendimento ao público.
Karoline Aguiar, por sua vez, pode conversar com integrantes do Serviço de Museologia, como a museóloga Mayara Manhães. No setor, as jovens tiveram a oportunidade de conhecer o acervo museológico do Museu da Vida e o trabalho de preservação e conservação de objetos. “Neste projeto da Fiocruz, eu vi a oportunidade de ter contato com outras mulheres que poderiam me inspirar a seguir uma carreira científica. Agora, depois dessa experiência, gostei muito da astronomia, mas quero continuar com a química e conciliar com a divulgação científica”, contou Maria Eduarda.
Para o ano de vestibular, Karoline revela que o gosto por diferentes áreas a põe em dúvida sobre a futura profissão. “Gostar de muitas coisas pode ser um problema na hora de escolher. Ter tido o contato com mulheres que realizam diversas ações, bem diferentes do que já planejei fazer, e que precisaram lidar com toda essa sociedade machista em que a gente vive, foi um incentivo para conhecer outras profissões”, refletiu. Alguns minutos depois, a caminho do Museu para uma nova rodada de atividades, elas aproveitaram o cenário do Castelo para uma selfie.
Publicado em 11 de fevereiro de 2020.