A internet também é lugar de museu. Diversas instituições do mundo já disponibilizam parte de seus acervos on-line como forma de se aproximar ainda mais do público. O professor Diego Córdoba estudou algumas iniciativas em sua dissertação do mestrado em Divulgação Científica da Fiocruz ‘Museus Virtuais: Análise dos recursos digitais como ferramentas para a promoção da Divulgação Científica’. Ele analisou de que maneira os recursos utilizados por três museus internacionais podem ajudar a divulgar o conhecimento da ciência: Science Museum (Inglaterra), Museo Del Prado (Espanha) e Rijksmuseum (Holanda) - os dois últimos, grandes museus de arte. Diego compartilha algumas de suas conclusões na entrevista da semana do Conta Aí, Mestre.
Mª Fernanda Marques Fernandes (@fernandamarques81): Quais os principais recursos digitais utilizados pelos três museus que você estudou?
Diego Córdoba: Os pontos que se destacaram estão relacionados ao quesito “interatividade”. O caso do Rijks Studio (plataforma do Rijksmuseum), que permite favoritar e até editar obras de artes do acervo, é um deles. Há também o uso aberto de redes sociais dos três museus (com destaque para o Prado e o Rijks, que promovem estímulo constante de compartilhamento das obras de arte) e as ferramentas de exibição dos acervos dos três museus, que permitem a visualização de detalhes da obra (incluindo zoom) através da disponibilização de imagens de alta resolução.
Mª Fernanda Marques Fernandes (@fernandamarques81): Basta disponibilizar os acervos na internet ou são necessárias outras estratégias complementares?
Diego Córdoba: Não basta disponibilizar acervo. Se quisermos conversar sobre engajamento ou empoderamento dos museus por parte da sociedade, a visualização fria e objetiva de imagens se mostra pouco atrativa. Devido ao sucesso de mídias digitais como Instagram e Youtube, podemos nos perguntar: será que estes teriam a adesão que têm se apenas fossem disponibilizadas a visualização de fotos e vídeos, dispensando a interação?
Julianne Gouveia (@julianne.gouveia): Olá, Diego! Você estudou o caso de um museu de ciências e dois museus de artes. Percebeu diferenças de estratégias entre eles? O que os museus de arte podem ter a ensinar para os museus de ciência nesse sentido?
Diego Córdoba: Sim, pude perceber diferenças claras. O museu de ciência claramente se mobiliza para disponibilizar um grande acervo online. Isso é algo declarado. Enquanto os museus de artes, que também possuem volumosos acervos, se preocupam muito mais com a interatividade e apropriação popular dos seus acervos. Pensando rápido sobre divulgação científica, não seria isso que queremos ao divulgar ciências? Permita-me escolher uma palavra para resumir um pensamento complexo: interação.
"Os museus podem e devem ser importantes aliados no esclarecimento público da ciência."
Beatriz Schwenck (@beatrizschwenck): Este acesso a parte dos acervos está relacionado com questões de direitos autorais, copyright etc? Como os museus definiram o que poderia ser divulgado? Obrigada e parabéns!
Diego Córdoba: Para responder às suas perguntas, preciso antes evidenciar que pesquisei dois museus virtuais de artes (que disponibilizaram o seu acervo com copyright “aberto”) e um museu virtual de ciência (que deixa claro em suas páginas a sua política restrita de copyright). Ou seja, todos, independentemente da sua política de copyright, disponibilizam os seus acervos, com destaque para o Science Museum, que, mesmo com sua política restrita de uso do seu acervo, se propõe a disponibilizar o maior acervo virtual da sua categoria. Outro fato importante é que os museus de artes possuem em seus acervos virtuais obras de que
autores e proprietários abriram mão de seu direito de imagem, justificando assim as ferramentas de edição e compartilhamento existentes neles.
Anderson Ferreira (@machadoafp.bio): Há utilização didática destes museus virtuais? Ou seja, eles são apenas expositores do acervo ou podem ser considerados Ambientes Virtuais de Aprendizagem?
Diego Córdoba: Primeiramente me permita esclarecer que sou crítico quanto ao uso do termo “Ambientes Virtuais de Aprendizagem” (AVA) fora de situações destinadas diretamente à aprendizagem e ensino. Mas é inegável que os museus virtuais da minha pesquisa possibilitam, através de sua estrutura, que ocorra aprendizagem. O Museo Del Prado, por exemplo, possui um foco muito interessante nas informações técnicas e não técnicas das obras, assim como no formato de consulta do seu acervo. Mas o que isso significa? Significa que a navegabilidade de um leigo nas artes é possível acontecer de forma autônoma, entregado para eles conteúdos que antes ficariam restritos para aqueles que realmente dominam o assunto. Ainda falando sobre aprendizagem, vale lembrar que o Science Museum tem uma página dedicada a disponibilizar e explicar como realizar alguns experimentos científicos (no estilo DIY - “Do It Yourself”, “faça você mesmo”) para os visitantes virtuais.
Kiki Reis (@kiki_reis_cult_tur_mh): Qual foi o impacto na divulgação científica utilizando os recursos tecnológicos virtuais? Como é mensurado esse impacto como ativo intangível? Eles utilizam algum indicador científico-cultural? Obrigada e parabéns pelo estudo!
Diego Córdoba: Pela minha pesquisa, não possuo as evidências necessárias para te responder sobre os impactos das ações de divulgação científica e artística (no caso dos museus virtuais de artes). Mas, pensando em termos de webometria, podemos ver um volume muito interessante de visitantes virtuais, especialmente nas redes sociais, além do uso das hashtags e compartilhamentos de obras de artes.
Anderson Ferreira (@machadoafp.bio): Nas instituições estudadas existe uma equipe designada para a divulgação virtual dos museus? Se esta existe, quantos e quais são os profissionais envolvidos?
Diego Córdoba: Não houve um levantamento a respeito das equipes dos museus virtuais pesquisados, mas em diversos momentos me deparei com dados que evidenciavam o quantitativo de pessoas envolvidas nos mais diversos setores dos museus. No site do Rijksmuseum, por exemplo, há uma foto da equipe. É tanta gente que, para alguns de nossos museus aqui no Brasil, a ideia chega a ser utópica.
Anderson Ferreira (@machadoafp.bio): A disponibilização virtual do acervo teve algum impacto no número de visitantes no domínio não virtual? Que tipo de impacto?
Diego Córdoba: A minha pesquisa não contemplou um levantamento sobre o quantitativo de visitantes presenciais, mas acredito que o ganho de alcance dos museus é inegável com a existência destes em ambiente virtual. Afinal, uma pessoa como eu, que hoje não possui condições de ir até a Holanda para visitar o Rijksmuseum, pode ter um contato com o acervo, com a comunidade virtual e até mesmo com as ações do museu.
Claudia Porto (@diaporto): Me interesso pelos fracassos tanto quanto pelo sucesso. Podemos aprender muito com ambos. Por isso minha pergunta vai nesse sentido: Diego, você teve a oportunidade de conhecer experiências desses museus que não deram certo e, em caso positivo, como o museu enfrentou o desafio de lidar com isso?
Diego Córdoba: Olá, Claudia, gostei muito do seu apontamento! Podemos aprender muito com os insucessos. Não obtive muitos dados de contexto histórico, mas pude perceber diferenças nas estratégias entre os museus, como as suas políticas de copyright, forma de disponibilização de conteúdo e afins no presente momento. Para que a sua pergunta não passe em branco, gostaria de incentivá-la a acessar os sites dos museus pesquisados, pois estes disponibilizam dados de sua própria história para o público.
HiperMuseus (@hipermuseus): Como os museus podem unir a divulgação científica com a mobilização para causas, como as mudanças climáticas e a defesa do meio ambiente?
Diego Córdoba: HiperMuseus, só pelo sua pergunta me deu uma vontade enorme de conhecer você (sua equipe) pessoalmente! Vivemos tempos muito complicados, em que teorias como a da Terra plana ganham cada vez mais adeptos e doenças ressurgem diretamente associadas ao movimento antivacina. Os museus podem e devem ser importantes aliados no esclarecimento público da ciência. Abrir portas para parcerias produtivas em nome de causas científicas, assim como a constante preocupação de dialogar, interagir e se doar ao público, para mim, são itens basais nas definições de estratégias dos museus e interessados. Se não houver engajamento público, se não houver um diálogo com pessoas não relacionadas diretamente com o estudo e pesquisa de
ciências, continuaremos reforçando as bolhas sociais - o que manterá as preocupações científicas com quem já se preocupa, sem alcançar a população como um todo. Já pensou como seria todo um Brasil unido pela preservação ambiental?
(Edição: Julianne Gouveia)
Publicado em 20 de setembro de 2019