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Os anos de experiência profissional de Ione Mendes nas áreas de juventude, comunicação, educação e cultura levantaram a pergunta: o que pensam os jovens cariocas sobre o universo da ciência? A mestra em Divulgação Científica da Fiocruz encontrou algumas respostas através da dissertação ‘Percepções de jovens cariocas sobre ciência e tecnologia’, pesquisa que desenvolveu a partir de entrevistas com jovens de 18 a 24 anos. Os 20 entrevistados vivem em diferentes partes e contextos sociais do Rio de Janeiro, mas possuem algo em comum: nasceram junto com a internet no Brasil, o que explica a afinidade com o tema de uma juventude hiper conectada. “Os jovens contam com aparatos da tecnologia da comunicação e informação que facilitam seus cotidianos, que são bem-vindos, mas se perguntam em quem e no que acreditar”, explica Ione. Ela faz mais revelações sobre acesso à tecnologia, ciência como profissão, fake news e outras ideias desse público na entrevista da semana do Conta Aí, Mestre.

Rogério José de Souza (@rogerio.josedesouza.37): Qual o perfil dos entrevistados? Há diferença por raça/cor, escolaridade, renda e territorialidade na percepção que esses jovens têm da ciência e tecnologia?
Ione Mendes: Entrevistamos jovens com idade entre 18 e 24 anos, moradores das Zonas Sul e Norte da cidade do Rio de Janeiro. A amostra abrangeu cinco grupos de três a cinco amigos, totalizando 20 jovens. Cinco deles participaram de duas dinâmicas - entrevista em profundidade e grupos de discussão - e os demais quinze jovens participaram apenas dos grupos de discussão. Não encontrei diferenças significativas quanto à percepção sobre ciência e tecnologia por raça/cor, escolaridade, renda e territorialidade. Por outro lado, ficou explícita a diferença no acesso aos resultados da ciência e da tecnologia. Os jovens têm a clara percepção de que os benefícios gerados pela ciência e tecnologia ficam com poucos (os que têm mais recursos) e os malefícios ficam com muitos (os que têm menos recursos).

Roberto Takata (@rmtakata): Qual a fração que costuma se informar sobre o tema e por quais meios?
Ione Mendes:
A metodologia utilizada no estudo “Percepções de jovens cariocas sobre ciência e tecnologia” é qualitativa, não apresentando portanto resultados quantitativos. O estudo está inserido no projeto nacional “O que os jovens brasileiros pensam sobre ciência e tecnologia?”. Quanto aos meios, os jovens nos disseram que as informações não são necessariamente procuradas por eles, nem sempre são buscadas, não chegam a eles transmitidas por fontes identificadas ou selecionadas, mas circulam e podem “os encontrar”. Em alguns casos, um assunto chega até eles em uma leitura casual e em outros por meio de “boca a boca”, redes sociais, circulação de notícias e fatos científicos na escola, em conversas familiares ou entre amigos. É por meio desse primeiro contato que, caso desperte o interesse, os jovens podem iniciar um processo de busca por informações mais aprofundadas. Nesse caso, a internet é o principal território no ecossistema da informação, com suas ferramentas e todas as suas possibilidades: jornais on-line, revistas on-line, blogs, sites, artigos on-line, redes sociais e vídeos.

Julianne Gouveia (@julianne.gouveia): Qual foi a metodologia de pesquisa que você usou? De que maneira chegou aos resultados? Dentre as suas descobertas, houve alguma mais surpreendente?
Ione Mendes:
Inicialmente, desenvolveu-se o referencial teórico e o levantamento e análise de informações sobre estudos já realizados, tanto em relação à percepção em ciência e tecnologia como sobre a relação do segmento jovem com esses temas. A segunda fase voltou-se para o estudo empírico, com a utilização de técnicas de entrevista em profundidade e grupos de discussão, utilizando questionário semiestruturado. Surpreendeu a percepção dos jovens relacionada às aplicações de uma descoberta científica ou de uma inovação tecnológica que não são predeterminadas em sua essência e podem ter várias aplicações e desdobramentos por estarem diretamente ligadas ao contexto econômico, político e social. Em outras palavras, eles enxergam a ciência e tecnologia inserida em um contexto socioeconômico e não isolada, com autonomia para definir sozinha seus rumos e aplicações.

Mª Fernanda Marques Fernandes (@fernandamarques81): O que seria essa visão ampla sobre ciência dos jovens participantes da pesquisa?
Ione Mendes:
Os jovens cariocas entrevistados nos apresentaram uma visão contextualizada e crítica sobre a ciência e tecnologia e sobre as implicações econômicas, políticas e sociais da tecnociência. Por exemplo, ressaltaram a importância de uma visão ampla sobre ciência e sobre o papel da produção e fundamentação do conhecimento, indo muito além da identificação da ciência apenas com o desenvolvimento tecnológico, indo além do mero estereótipo instrumental. Ressaltaram a relação entre conhecimento e o desenvolvimento tecnológico, mas também a função da ciência como produtora de perguntas, conhecimento e visão sobre o mundo.

Os jovens têm a clara percepção de que benefícios gerados pela ciência e tecnologia ficam com poucos (os que têm mais recursos) e os malefícios ficam com muitos (os que têm menos recursos).

Leandro Lobo (@Lobo_Lele): Quais são as áreas da ciência em que os jovens têm mais interesse? Eles têm vontade de seguir uma carreira na ciência? Caso afirmativo, se sentem capazes (acham que é uma carreira / meta possível)?
Ione Mendes:
Quando questionados sobre quais temas ou assuntos relacionados à ciência e tecnologia eles consideram interessantes ou sobre quais buscam informações, os jovens citaram áreas e temas diversificados, como novas descobertas, inovação, política, psicologia, meio ambiente, saúde, carros, coisas high tech/jogos e educação, entre muitos outros. Alguns participantes, especialmente os estudantes da área de Humanas que moram na Zona Sul, demonstraram interesse em seguir a carreira científica e chegaram a afirmar que estão estudando para isso. Outros já pensaram em se tornar cientistas ou dizem ser cedo para tomar essa decisão, mas não descartam essa possibilidade. Em contrapartida, os jovens que afirmaram não ter interesse na carreira de cientista tendem a ter uma inclinação maior para as áreas de Exatas e Biológicas e citam como justificativa ser um trabalho muito árduo, muito sobrecarregado, que necessita de muita dedicação e atualização constante, além de ser muito rotineiro, monótono, demorado, sem compensação financeira adequada e ser uma área de baixo investimento e pouco reconhecimento. A sensação de que não se sentem aptos a seguir a carreira de cientista aparece com pouca intensidade, sendo que os jovens que possuem poucos recursos financeiros e consequentemente com restrições mais acentuadas nas suas formações escolares se queixam da dificuldade de acesso à carreira.

Alicia Ivanissevich (@alicia.ivanissevich): Há alguma área sobre a qual os jovens demonstraram mais conhecimento? 
Ione Mendes:
Essa abordagem não fez parte do escopo do estudo. 

Fernando Alves (@fernando271986) - Na pesquisa, pode ser vista a influência cultural dos pais nas falas desses jovens? E difere de grupo para grupo?
Ione Mendes:
Tivemos a preocupação em balancear a amostra por capital cultural. Porém, um resultado que nos pareceu importante é que, colocados em uma dinâmica de discussão em grupo, os jovens mostraram ter percepções e argumentações que não diferiram de forma significativa entre os participantes com referências e capital cultural diferenciados. A polarização mais significativa está na possibilidade de apropriação e no acesso eficaz aos resultados, aos conceitos, aos processos da ciência e tecnologia, que refletem a desigualdade social decorrente do contexto socioeconômico.

Mª Fernanda Marques Fernandes (@fernandamarques81): Os jovens ouvidos na pesquisa relataram estratégias para identificar e prevenir-se das fake news?
Ione Mendes: Muitos jovens cariocas apontaram indícios para identificação de fake news. Entre eles, estão o sensacionalismo, o layout muito poluído e mal feito, o absurdo da chamada inicial, o forte apelo emocional, palavras muito radicais, extremistas e afirmativas, fontes duvidosas, comentários dos leitores na postagem e títulos que não correspondem ao conteúdo. Por outro lado, alguns reconhecem que os propagadores de fake news já estão se aperfeiçoando. Além de identificarem esses sinais, também reconhecem que existem informações que são publicadas com datas defasadas, fora de contexto, na tentativa de enganar o receptor. Para complicar um pouco mais, se a notícia falsa corrobora com a opinião do receptor, ela pode ser aceita e compartilhada sem verificação, observando também que existem notícias verdadeiras que são combatidas e questionadas como se fossem falsas, gerando mais confusão. Poucos jovens disseram perceber fake news intuitivamente, sem ter um motivo racional para tal.

Julianne Gouveia (@_amarelodeserto): O tipo de conteúdo que os jovens consomem hoje na internet aparece como um ponto importante pra esse entendimento que eles têm sobre ciência e tecnologia ou você atribui isso mais à escola?
Ione Mendes:
A construção do entendimento dos jovens sobre ciência e tecnologia ocorre a partir de várias referências. Sem dúvida alguma, o atual ecossistema de informações contribui com a formação de opiniões e percepções sobre vários assuntos. Quase todos os participantes dos grupos ainda estudam. A escola é uma referência muito forte e é indicada pelos jovens como uma bússola para orientação, um lugar onde fundamentos sólidos são encontrados e construídos.

 

Com edição de Julianne Gouveia
Publicado em 13/09/2019.

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