Informativo do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica do Museu da Vida
Ano XXII - nº. 314. RJ, 2 de agosto de 2024.
----------------------------------------------------------
Nos dias 30 e 31 de julho e 1º de agosto, aconteceu em Brasília a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI), cujo objetivo é subsidiar a nova Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) para os próximos dez anos. Foram 220 eventos preparatórios realizados entre dezembro de 2023 e maio deste ano, envolvendo cerca de 100 mil pessoas. Estima-se que 5.300 pessoas tenham participado presencialmente dos três dias de programação na capital federal, além das mais de 4 mil que contribuíram com as discussões de forma remota, enviando perguntas e recomendações por meio de uma plataforma digital. Aliás, a plataforma vai continuar aberta para comentários e sugestões até o próximo domingo, dia 4/8 (https://5cncti.org.br/plataforma-de-recomendacoes). O conteúdo dos debates – presenciais e remotos – será compilado e irá integrar um livro com as diretrizes da ENCTI, a ser lançado em novembro deste ano. Essa é, sem dúvida, uma iniciativa de grande relevância para a ciência brasileira, que vem passando por uma série de cortes e crises desde meados dos anos 2010. Nesse sentido, é sintomático que a última edição da conferência tenha sido realizada há 14 anos. Na cerimônia de encerramento da 5ª CNCTI, Francilene Garcia, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e integrante da comissão organizadora da conferência, destacou alguns dos temas que emergiram com mais força no evento em Brasília. Um deles foi justamente a divulgação e popularização ciência, gerando uma expectativa de que a área seja devidamente contemplada na nova estratégia. Afinal, estamos precisando! Em pesquisa recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil foi o país que se saiu pior (entre 21) na detecção de notícias falsas, como mostramos em mais detalhes na nota que abre esta edição do Ciência & Sociedade. No boletim de agosto, a questão ambiental ganha destaque, sendo tema de nota sobre livro recém-lançado (e acessível gratuitamente) que aborda o jornalismo ambiental em uma perspectiva decolonial; de outra nota sobre kit didático incluindo um curso para educadores e duas publicações para implementação de atividades participativas entre estudantes; e outra ainda divulgando o seminário que faz parte das comemorações de 20 anos de ((o))eco. Leia ainda nesta edição nota com uma lista de nove novos podcasts de ciências, entre outras dicas de leitura, ações, eventos e oportunidades em divulgação científica. Boa leitura!
Especial Desinformação
De 21 países, Brasil é o pior em reconhecer conteúdo falso – A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou em julho os resultados da sua pesquisa “Truth Quest”, em que avalia a capacidade de pessoas em identificar notícias falsas e verdadeiras na internet. A pesquisa, que usa formato de game com interface que se assemelha a uma rede social, foi aplicada a 40.765 pessoas, de 21 países, distribuídos por cinco continentes. O estudo busca entender se alguns tipos de conteúdo são mais facilmente distinguíveis como falsos e enganosos do que outros. A pesquisa considerou cinco tipos de conteúdo: sátira, propaganda, disinformation (afirmação criada ou compartilhada COM intenção de enganar), misinformation (afirmação errônea criada ou compartilhada SEM intenção de enganar) e contextual deception (contextualização enganosa). Além disso, o estudo avaliou se o tema do conteúdo desempenha algum papel na detecção da sua veracidade; se a origem do conteúdo (gerado por humanos ou IA) influencia essa detecção e qual a percepção dos respondentes sobre sua capacidade de reconhecer informação enganosa. Em 60% dos casos, em média, os participantes foram capazes de identificar corretamente a veracidade ou não da informação. Esse valor, porém, caiu para 54% entre os brasileiros – o pior resultado. Curiosamente, entre os três principais temas estudados (meio ambiente, saúde e assuntos internacionais), não foram observadas grandes diferenças na capacidade das pessoas de identificar corretamente o conteúdo. Confira outros resultados.
Leituras
Por um jornalismo ambiental decolonial – O jornalismo ambiental brasileiro, mesmo o praticado em veículos não hegemônicos, é fortemente influenciado pelas perspectivas do Norte, tendo enfoque econômico (neoliberal) e sendo dominado pelo discurso científico. Estes são os principais resultados da pesquisa conduzida por Eloisa Beling Loose, que analisou os discursos jornalísticos sobre mudanças climáticas de três veículos brasileiros independentes comprometidos com a crise ambiental: Colabora, Conexão Planeta e Envolverde. Contradizendo a sua hipótese inicial de que esses veículos apresentariam discursos mais diversificados em termos de fontes e mais voltados a questões locais, seu estudo mostrou outra realidade, em que as diferenças entre a cobertura climática desses veículos e a da grande imprensa são bem mais sutis do que o esperado. Assim como no jornalismo hegemônico, Loose também sentiu falta nos jornais analisados de espaço para problemas climáticos específicos do Sul, bem como de soluções locais, formuladas “de baixo para cima”, que, de alguma forma, questionariam o “sistema capitalista-colonial-explorador” atual. Já entre os contrapontos identificados, a pesquisadora destaca o fato de os veículos alternativos fugirem da suposta imparcialidade propalada pela grande imprensa e de não se preocuparem em dar espaço ao “outro lado”. Os resultados do estudo são apresentados no livro Jornalismos e crise climática: Um estudo desde o Sul Global sobre os vínculos do jornalismo com a colonialidade, em que Loose propõe uma reflexão crítica sobre o jornalismo ambiental no Sul. A publicação pode ser baixada na íntegra aqui.
Feiras de ciências são tema de dossiê – A revista Educação Pública, da Fundação Cecierj, acaba de lançar um novo número reunindo textos que abordam as feiras de ciências, uma ação clássica de divulgação científica que conjuga reflexão teórica e formulação de tarefas práticas. As feiras representam, em geral, uma oportunidade rica de troca entre múltiplos atores das instituições de educação, na qual pesquisadores, professores e alunos dialogam em prol de objetivos comuns. O dossiê apresenta 10 textos, dentre os quais estão incluídos artigos científicos e relatos de experiências que exploram enfoques complementares e problematizam questões relativas ao tema central da publicação. Autores de diferentes instituições e localidades, e suas respectivas abordagens e métodos, compõem um panorama plural de importantes reflexões relacionadas à concepção de feiras de ciências. Cabe destacar que a própria Fundação Cecierj promove, desde 2005, a maior feira de ciências voltada para a educação básica do Estado do Rio de Janeira, a Feira de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Rio de Janeiro (FECTI), em que são apresentados projetos de pesquisas desenvolvidos por estudantes em suas escolas, das redes pública e privada de ensino, sob orientação de seus professores. Acesse o dossiê completo.
Princípios para uso da IA – O uso das ferramentas de inteligência artificial (IA) pode transformar radicalmente a forma de realizar atividades práticas e de pesquisa no campo da divulgação científica. Os benefícios são atraentes, mas levantam questões éticas complexas que demandam debate e orientações. O texto “Good practice principles on science communication and artificial intelligence”, que reúne dez princípios de boas práticas para o uso da IA na divulgação científica, indica alguns caminhos. A publicação, uma iniciativa da Universidade Pompeu Fabra (UPF), começou a ser desenvolvida em 2023, no workshop do Campus Gutenberg - Museu de Ciência CosmoCaixa (Espanha). Na ocasião, pesquisadores da UPF interessados em debater o uso da IA esboçaram um conjunto de boas práticas para o uso da tecnologia, avaliado por 30 profissionais de DC ainda durante o evento. Nos meses seguintes, o texto passou por mais duas avaliações via questionários online: uma realizada pelos pesquisadores e alguns participantes do workshop e outra mais ampla com um total de 125 profissionais da Espanha e de países da América Latina. Os autores encorajam a adesão aos princípios, fruto de um trabalho colaborativo, por toda a comunidade profissional de DC. Acesse o texto.
Ações
No ar, novos podcasts de ciências – Uma boa notícia para aqueles que gostam de ouvir boas histórias científicas: nove podcasts abrangendo diversas áreas da ciência estão sendo lançados nos meses de julho e agosto. As produções abordam assuntos tão variados quanto ciência reprodutiva, impactos da ação humana nos oceanos, medicina popular da Caatinga, a busca pela raia-chita em um trabalho de campo, entre outros. Os programas são frutos de um edital lançado no ano passado pelo Instituto Serrapilheira, que vem apoiando uma série de iniciativas de divulgação científica nas mídias. São eles: Reinventando a Natureza, Caatingueira, Meridianos, Sinal de Vida, Mar Não Está Pra Peixe, Os Caminhos de Niéde Guidon, Torpor, Axé das Plantas – Cura do corpo e da alma e Planetário (será lançado em 9/8). Assunto não vai faltar!
Detetives do clima – No complexo debate sobre mudanças climáticas, um dos muitos desafios é aproximar as questões do clima a realidades locais muito diferentes daquilo que é comumente visto nas mídias. Com isso em mente, o projeto Pesquisa Participativa em Ação: Educação para Justiça Climática no Vale do Ribeira, realizado por pesquisadores da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, desenvolveu um kit didático chamado “Detetive Climático”, construído com participação e colaboração de professores e alunos de duas escolas rurais do Vale do Ribeira (SP). O kit inclui curso para educadores e duas publicações para implementação de atividades participativas entre os alunos, tendo o território como foco da reflexão sobre injustiças ambientais e climáticas. O kit é gratuito e as atividades podem ser adaptadas a diferentes localidades. Saiba mais.
Eventos
Seminário de Jornalismo Ambiental ((o))eco – Ainda há vagas na modalidade online para o evento que ocorre em 29 e 30/8 como parte das comemorações de 20 anos de ((o))eco e que contará com mesas-redondas, debates e entrevistas sobre o papel do jornalismo ambiental e suas interseções com o movimento ambientalista brasileiro. Programação completa e inscrições.
PCST anuncia chamada de trabalhos – Interessados em participar da conferência internacional da rede de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (PCST) em 2025 têm até 7/9 para submeter propostas. Transições, tradições e tensões são os temas principais do encontro, que será realizado na Universidade de Aberdeen, na Escócia, de 27 a 29/5. A organização pretende disponibilizar bolsas com o objetivo de ampliar o acesso ao evento. Fique de olho! Saiba mais.
Oportunidades
Prêmio de divulgação científica em ciências sociais – Termina em 31/8 o prazo de inscrição no prêmio que visa reconhecer iniciativas práticas de divulgação científica que aproximem as ciências sociais da sociedade brasileira. São três categorias: docente/pesquisador(a), discente/egresso(a) e jornalismo científico. Acesse o edital .
Pós-doc no Instituto de Biociências da USP – O projeto “Regulações e identidades na divulgação científica participatória e interseccional em biodiversidade: subsídios para políticas públicas” recebe candidaturas para uma bolsa de pós-doutorado. O candidato deve ter experiência com produção e análise de dados em pesquisas transdisciplinares e conhecer a literatura e atuar em divulgação científica, interseccionalidade, inclusão e biodiversidade. Mulheres negras terão prioridade. O prazo final de inscrição é 9/8. Mais informações.
Tem uma sugestão de notinha para a próxima edição do boletim Ciência & Sociedade? Oba! Envie para o e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Ciência & Sociedade é o informativo eletrônico do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica do Museu da Vida (Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz). Editores de Ciência & Sociedade: Carla Almeida e Marina Ramalho. Redatores: Luís Amorim e Rosicler Neves. Projeto gráfico: Barbara Mello. Informações, sugestões, comentários, críticas etc. são bem-vindos pelo endereço eletrônico Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.. Para se inscrever ou cancelar sua assinatura do Ciência & Sociedade, envie um e-mail para Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..
* A seção Especial Desinformação é uma iniciativa do projeto “O desafio da desinformação em saúde: compreendendo a recepção para uma melhor divulgação científica”, contemplado pelo Programa Proep 2022, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e do CNPq.