Quem diria que um item de salão de beleza, destinado a aquecer e ondular cabelos e bigodes, poderia se tornar um utensílio de laboratório?
Em um tempo em que os bigodes eram a última moda e os homens desfilavam com pelos faciais cuidadosamente ondulados, um objeto em particular encontrou um novo e inesperado propósito no Instituto Oswaldo Cruz, ainda nas primeiras décadas do século 20. Vamos conhecer o Aquecedor de Marcel?
Ondulador de pelos
O aquecedor de Marcel trata-se de um pequeno fogareiro à álcool, originalmente projetado para aquecer os onduladores de ferro da linha “Ondutateur Marcel”.
Marcel Grateau (1852-1936), o criativo inventor francês deste objeto, foi um cabelereiro que revolucionou os cabelos das mulheres a partir de 1872. Ele criou penteados com ondas, inclusive em cabelos curtos, com o uso de chapinhas de metal bem delicadas e de fácil manuseio. Fez tanto sucesso que o penteado ficou conhecido como ondulação de Marcel.
O ondulador foi produzido pela empresa Léon Pelleray, famosa fábrica parisiense de artigos para cabelereiros, incluindo navalhas e móveis de salões de beleza. O objeto, que faz parte do acervo do Museu da Vida Fiocruz, carrega a marca “Brevete - SGD6”. Essa sigla está ligada às leis de patentes francesas (1844), e sua inclusão significava que o item não havia passado por exames e testes prévios, o que poderia ocasionar riscos e perigos na sua utilização.
Mas como um objeto, estrela dos salões de beleza, passou a brilhar também nos laboratórios?
Objetos do cotidiano adaptados às atividades de laboratório
A ciência experimental brasileira no início do século 20 dava seus primeiros passos. Uma das grandes dificuldades deste período era a compra de equipamentos específicos, já que grande parte vinha da Europa. Entre a compra e a entrega, a chegada poderia levar meses.
Para não paralisar o trabalho, alguns processos precisavam ser adaptados, e com isso utensílios do cotidiano por vezes tornavam-se ferramentas científicas. O aquecedor de Marcel foi um desses casos. Afinal, por que não usar este objeto prático e portátil como um fogareiro à álcool para aquecer pequenas peças e utensílios de laboratório?
O aquecedor foi utilizado na flambagem, uma técnica de esterilização por calor seco. A partir de temperaturas muito elevadas, provoca a oxidação dos materiais orgânicos, penetrando nas substâncias de forma lenta.
Na flambagem, o material, geralmente feito em metal ou vidro, deve ser colocado sob o fogo, até que fique com a cor avermelhada. Como todos os métodos de esterilização apresentam vantagens e desvantagens, este procedimento tecnicamente fácil elimina apenas algumas formas de microrganismos. Atualmente, esse método é utilizado com muita cautela na esterilização de materiais de laboratório.
Os rigores dos laboratórios de então eram bem diferentes dos severos padrões de segurança e técnicas laboratoriais praticados atualmente. Hoje, nem pensar em usar um aparelho de beleza para essa finalidade!
De qualquer modo, a tradição de alisar os cabelos e bigodes é bastante antiga e, como podemos observar, multifuncional. Como os bigodes voltaram à moda, quem sabe não veremos uma nova versão do aquecedor de Marcel adaptada aos nossos tempos, para manter os bigodes dos hipsters e cientistas em perfeito estado enquanto trabalham?
Informações técnicas do objeto:
Aquecedor de Marcel
Fabricante: Léon Pelleray
Local: França
Data: [1870-1920]
Medidas: 3 x 9,8 x 5,80 cm
Material: Metal
Procedência: Instituto Oswaldo Cruz
Referência na Base Museu: https://basemuseu.coc.fiocruz.br/inweb/ficha.aspx?id=5&ns=216000&Lang=BR
Fontes:
FARMACOPEIA BRASILEIRA, 6ª edição, Brasília: Anvisa, 2019. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/farmacopeia/farmacopeia-brasileira/volume-1-fb6-com-capa.pdf
MARCEL GRATEAU. Wikipédia. Disponível em: https://fr.wikipedia.org/wiki/Marcel_Grateau
Créditos:
NOGUEIRA, Inês Santos. Objeto em Foco: Aquecedor de Marcel. In: Museu da Vida Fiocruz. Publicado em 24 de jul. de 2024.
Objeto em Foco é um produto de divulgação do acervo museológico sob a coordenação de Inês Santos Nogueira, Serviço de Museologia - Museu da Vida Fiocruz