Por Rebecca Gotto
Quando eu era criança, no fim dos anos 1980, os tempos eram outros. Uma artista negra não tinha o seu trabalho devidamente valorizado no mundo. Na tevê, as atrizes negras só interpretavam papéis de empregada doméstica - uma profissão digna como qualquer outra, sim, mas o lugar da mulher é onde ela quiser. Nas peças de teatro, era quase escassa a presença de atrizes negras. Na música, não era diferente. As artistas de rua também não possuíam o devido reconhecimento na época.
Hoje, aos 35 anos, eu posso sentir na pele o que é ser uma mulher trans negra periférica e artista no Brasil, que é o país que mais mata mulheres transexuais e travestis no mundo, principalmente as negras. Não é fácil. O que me conforta é ver que agora, em 2021, estamos ganhando representatividade na televisão, na música, no teatro e no cinema. Temos hoje Gabriela Loran, mulher trans negra que foi a primeira atriz transexual a participar da agora extinta novela ‘Malhação’ (TV Globo). Temos também MC Xuxu e Linn da Quebrada com suas letras empoderadas, e por aí vai.
Ainda falta muito para ganharmos reconhecimento total, mas seguimos resistindo. Minha carreira de atriz mudou totalmente quando, em junho de 2019, compartilharam comigo uma chamada para um teste de elenco no Museu da Vida. Estavam selecionando atrizes negras cis e trans para um novo espetáculo: “Cidadela”. Mandei meu currículo em cima da hora, no último dia. Das 230 candidatas, 30 foram selecionadas para a etapa final, e eu estava no meio dessas atrizes incríveis.
Chegando lá, éramos só amor no meio de mulheres tão talentosas. Passamos o dia inteiro apresentando nossas cenas. Ao fim do dia, fizemos uma roda no palco e demos as mãos junto à diretora Leticia Guimarães (que eu amo de paixão!) para saber quem seriam as quatro atrizes selecionadas. Eu chorei muito quando fui anunciada como parte do elenco, e as outras três meninas também. Ensaiamos todos os dias, de sol a sol, para que, em 16 de agosto de 2019, estreasse essa história linda que fala da importância do papel da mulher negra na sociedade e na ciência! Foi tudo maravilhoso!
Na Semana da Consciência Negra, dedico a coluna de hoje para homenagear as mulheres negras artistas que, assim como eu, precisam lutar contra o machismo e também contra o racismo. Dedico também para a personagem Marina Lá Se Foi e a todo o povo de ‘Cidadela’.
Deixo agora uma frase de um conto meu, chamado “O destino é de sorvete”: o amor fraternal é a primeira melhor amizade da vida.
Beijinhos e até a próxima!
Foto: Jeferson Mendonça / COC / Fiocruz
Publicado em 19 de novembro de 2021