Por Renata Fontanetto
A pandemia continua para essas mães. Elas não estão saindo de casa e muitas cuidam de mais de uma criança enquanto tentam, também, cuidar de si. As tarefas domésticas se multiplicaram, e as preocupações também. Nesta semana do Dia Internacional da Mulher, o Museu da Vida traz depoimentos de quatro mulheres, mães de crianças com deficiência e moradoras de favelas e de bairros periféricos do Rio de Janeiro. Norma, Cláudia, Edna e Quelem se conheceram no Projeto Marias, ação social de Manguinhos liderada por Norma. Criado há 18 anos, o projeto ajuda 350 “mães especiais”, como elas carinhosamente chamam quem tem filhas e filhos com deficiência.
Na lista de desejos para a semana que marca o Dia Internacional da Mulher, a vacinação está presente: elas querem que mais pessoas tomem a vacina para que as crianças possam voltar às aulas. Além disso, pensam numa vida com um pouco mais de liberdade, sem a clausura de uma casa. Enquanto a vacina não chega, elas tentam se apoiar do jeito possível, dependendo da rede de apoio criada dentro do projeto, do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e de doações. Muitas não podem trabalhar porque, senão, perdem o direito ao benefício. Compartilhamos com vocês algumas falas da conversa que tivemos com elas no dia 6 de fevereiro, sábado, pelo aplicativo Zoom. Deixamos aqui o nosso muito obrigada a todas que contaram suas histórias à equipe do MV.
Norma Maria de Souza - Presidente do Projeto Marias
Mãe de Kevyn Johnson, que teve sequelas neurológicas após um erro médico no parto
“Meu filho, Kevyn Johnson, faleceu em 2020, aos 22 anos, com uma pneumonia bem forte. Eu acredito que ele foi vítima de Covid-19, apesar de todo o cuidado que eu tinha com ele. Depois da morte dele, eu pensei em parar o projeto, mas muitas mães me incentivaram a continuar. Quando a iniciativa começou, eu queria ajudar as mães a dar a volta por cima, estimulando-as a continuar a vida. Meu objetivo não era fazer ajuda assistencial. Quando o Kevyn nasceu, eu tinha outros dois filhos bem pequenos. Eu me vi na situação de levá-lo na cadeira de rodas, segurar outra filha nos braços e entrar em muito ônibus lotado. Ali começou nossa luta pela garantia de direitos. A princípio, o projeto era só para Manguinhos, mas ele foi crescendo. Eu, às vezes, me sinto impotente porque eu não tenho dinheiro. Eu sou uma mãe pobre igual a todas elas. Durante a pandemia, me vi obrigada a intensificar a campanha de pedidos de doação e também passei por momentos difíceis, precisando até mesmo de cesta básica. Naquele momento, a educadora Hilda Gomes, do Museu da Vida, começou a nos ajudar e, então, iniciamos uma campanha de arrecadação para o projeto, visando a compra de cestas básicas. Essa iniciativa contou com o apoio do Comitê Fiocruz pela Acessibilidade e Inclusão das Pessoas com Deficiência e o Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fundação. Em dezembro de 2020, conseguimos ajudar pouco mais de 100 mães doando R$ 50 reais. Pelo menos um frango eu sei que deu pra elas comprarem pro Natal. Meus planos para 2021 em diante incluem uma vaquinha solidária para tentar construir uma sala de fisioterapia para o projeto aqui em Manguinhos.”
Cláudia Barbosa Alves, de 43 anos
Vice-presidente do Projeto Marias
Mãe de Ana Clara Alves Gomes, 17 anos, com paralisia cerebral
“No fim de 2020, eu voltei para a minha cidade natal, Barra de Santana. Antes, eu morava em Manguinhos. Aqui é mais tranquilo porque não tem casa uma em cima da outra, é mais sítio, então é mais espaçoso. As crianças, por outro lado, estão sem escola e tem sido bem difícil. Antes, meu marido saía para trabalhar e eu tomava conta das crianças. Hoje, estamos todos parados em casa, e ele está desempregado. Eu tenho medo de pegar a doença. Aqui, aparentemente, ninguém teve nenhum sintoma. Estou torcendo para que a vacina chegue. Minha filha tem conseguido fazer a fisioterapia uma vez por semana no serviço de saúde da região. É bem pouco, mas pelo menos ela tem conseguido ir. Para o Dia Internacional da Mulher, eu gostaria de pedir vacina para todos, para conseguirmos voltar ao normal, para que as escolas voltem, para sair sem medo.”
Edna Barbosa, de 58 anos
Bisavó de Carlos Antônio da Silva Barbosa, 3 anos, com paralisia cerebral
“Estou muito presa dentro de casa, junto com outras três crianças, meus netos, dos quais eu cuido. Não posso mais sair para ir à igreja. Quando levo o Carlos para a fisioterapia, as outras crianças ficam dentro de casa. Antigamente, eles ficavam na pracinha. Agora, acabou tudo: não tem colégio, praça, nem igreja. Os meus netos têm medo de sair, então o que eles fazem para passar o tempo é assistir televisão e mexer no celular. Às quartas, meu bisneto faz fisioterapia e, às sextas, fonoaudiologia. Eu o levo a vários serviços públicos de saúde para que ele possa ser acompanhado. Eu gostaria muito que as crianças voltassem a ser como eram antes da pandemia. Eles estão muito presos dentro de casa; eles não sabem mais o que é a vida lá fora. Eu queria encontrar o prefeito aqui da minha região para tentar alguma ajuda com a minha moradia, porque o dinheiro que eu recebo vai para o aluguel. Gostaria muito de deixar de morar de aluguel. A Norma, do Projeto Marias, foi mais que uma mãe.”
Quelem da Silva Freitas, de 34 anos
Mãe de Laianny Freitas, 4 anos, com microcefalia e paralisia cerebral, e de Lorrany Freitas, 9 anos
“Minha rotina está bem complicada porque não estamos saindo; as crianças estão paradas. Eu tenho ficado mais preocupada com a escola da minha filha maior e com o tratamento da Laianny. Não tenho conseguido levá-la ao tratamento, então faço exercícios de fisioterapia respiratória com ela em casa. Não é a mesma coisa de um acompanhamento profissional. Como não tenho dinheiro para pagar o Uber, tampouco transporte da prefeitura, eu teria que levá-las no BRT. A Lorrane tem feito videochamadas com professores, realizando exercícios escolares da escola municipal em casa. A gente não consegue ter progresso, né? A gente só vem regredindo durante a pandemia. Eu não consigo trabalhar porque preciso tomar conta delas. Então, dependo do benefício do governo para comprar medicamentos, pagar o aluguel e, também, de doações. O meu maior desejo é que as crianças tenham um ótimo tratamento, de qualidade, porque é muito difícil de encontrar. Acho que o sonho de toda ‘mãe especial’ é ver o filho num lugar bom, onde vemos que a criança está progredindo.”
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Caso você possa doar qualquer quantia ao Projeto Marias e ajudar estas e outras mães, acesse o Instagram e o Facebook para conhecer a iniciativa. As doações podem ocorrer ao longo de todo o ano. Além disso, o projeto aceita voluntários e estudantes de graduação que estejam procurando estágio voluntariado. As informações de doação estão disponíveis na imagem abaixo:
A campanha de doação continua! No próximo dia 8 de março, 50 cestas básicas serão doadas para mães do projeto. O esforço contou com o apoio do Comitê Fiocruz pela Acessibilidade e Inclusão das Pessoas com Deficiência e o Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fundação.
Publicado em 08 de março de 2021